O feminino na fantasia, eis a velha questão

Dia Internacional da Mulher. Uma data importante pelas conquistas do feminino na sociedade moderna e tal.
Como o assunto é pertinente para o nosso hobby, na verdade para a parte de fantasia medieval, vou falar novamente sobre ele (já escrevi há alguns anos um post sobre isso) com uma visão mais atualizada. 
Não quero chover no molhado falando sobre o mérito da questão do sexismo, mas divagar um pouco sobre o modo como o gênero leva a coisa.
Na maioria das obras de fantasia (mesmo no RPG), vemos uma tendência à fidelidade histórica em relação ao feminino, ainda que velada sob guerreiras de biquíni de cota de malha ou princesas que precisam ser salvas. 
Pra falar a verdade, penso muito nisso quando leio as histórias de Brienne de Tarth, uma personagem de George R.R. Martin, que sofre o tempo todo com isso (a frase “as únicas batalhas que mulheres devem travar são as das camas de parto” é bem recorrente), algo que me incomoda bastante. 
Temos, na nossa História, um bom punhado de mulheres excepcionais, como Joana D’Arc ou Anita Garibaldi, mas todas compartilham uma história de superação a uma discriminação e opressão que eu acho que não precisa ser tão notável na fantasia. Acho que é possível manter os direitos iguais sem fugir completamente da verossimilhança. Desnecessário dizer que você pode já fazer isto, mas tem muita gente por aí que não lida muito bem ou nunca pensou a respeito.

Li recentemente no More Than Dice que geralmente quando um jogador faz uma personagem feminina, é uma imitação de Joana D’Arc, uma mulher forte que precisa se provar constantemente para todos, apenas para ganhar seu respeito. Que tal se, na sua mesa de jogo, essa questão de gênero começar a pesar um pouquinho menos a cada sessão?

Se a frequência com que homens e mulheres acharem nada de mais uma heroína aventureira for um pouco maior, certamente este tabu será quebrado. Podemos considerar que alguns cenários, como Forgotten Realms, possuem muitas mulheres importantes (Simbul, Alustriel e as outras irmãs, por exemplo), e se começarmos a aumentar as ocorrências de personagens que pensam nisso como algo corriqueiro no mundo, mudamos o panorama.

Se você considerar criar mais arquimagas, capitãs da guarda, vilãs e anti-heroínas – Morrigan de Dragon Age e Kitiara de Dragonlance são personagens interessantíssimas – sem que elas tenham rótulos em cima, como a arquimaga gostosa, a capitã machona, e assim por diante, vai ter jogadoras (e jogadores que queiram jogar com personagens femininas) muito mais motivadas a interpretar personagens diferentes.

Considere também incluir personagens femininas entre os capangas e henchmen com que os PJs têm contato, e a coisa vai ficar mais natural.

Uma outra maneira legal de diminuir o sexismo é considerar raças ou culturas específicas que tratem a coisa de maneira completamente diferente. 
Na minha Arton, elfos e anões não possuem a menor divisão de gêneros – uma anã guerreira, um anão dono-de-casa, uma elfa assassina e um elfo enfermeiro são coisas totalmente comuns nessas sociedades. 
Adicionalmente, entre os elfos a descendência do nome é feminina, ou seja, você herda o nome da sua mãe ao invés do seu pai (você pode dizer que anãs em jogo são raras, ou que elfos são frutinhas, mas aí já é uma outra forma de discriminação que não cabe a esse texto discutir =P). 
Claro que não adianta nada só fazer isso em raças que são vilãs (drows) ou bárbaras, ou menores de alguma forma, então é preciso pensar direitinho no impacto que isso tem no jogo.
Porém, me despindo da hipocrisia, acredito que homens e mulheres são diferentes, e que seja saudável manter um pouquinho de verossimilhança. Não é uma questão de fidelidade histórica, mas cartática – segundo minhas jogadoras, nada mais legal do que ter o poder para “dar o troco” quando aparece um mané achando que lugar de mulher é na cozinha. 
Claro que essas mazelas sociais precisam ser usadas como pano de fundo, afetando o jogo apenas para dar um toque de verossimilhança e provocar aquela indignação que leva à perseverança e à vitória dos personagens dos jogadores.
Finalizando, tudo que quero sugerir com esse discurso é que é muito bacana quando as coisas são levadas com equilíbrio, para que as garotas (e os garotos que quiserem jogar com garotas, no pun intended) vivenciem um mundo onde não precisem lembrar a cada minuto que precisam provar seu valor e ouvir papinhos bregas e sexistas, e quando a verossimilhança surgir, que seja divertida. 
Mas, citando uma excelente frase do suplemento de nWoD chamado Mirrors, uma coisa é certa: a fantasia não precisa reproduzir os nossos erros.

8 comentários em “O feminino na fantasia, eis a velha questão

  1. Como sempre, a fantasia não deve nem documentar a realidade nem esquecer-se dela, nos permitindo entender o que acontece e o que poderia acontecer. A fantasia é maravilhosa! E moçada do RPG, parem com as [arquétipo de fantasia aqui] de biquíni!

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  2. O Problema Danis é que em toda era onde a lei do mais forte prevalece, as mulheres acabam sendo alvo pela inferioridade física.

    Sendo fisicamente mais fracas e não preparadas para o combate são alvos fáceis para as violações, escravidão e a morte.

    A própria Brienne é a exceção que justifica o todo. Ela só não foi vitimada por ser “tão forte como um homem” e ser uma exímia combatente… senão…

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  3. Mas essa é uma imposição histórica que nem necessariamente precisa ser verdadeira pro cenário inteiro. Em um mundo que temos deusas e magias (uma força que de certa forma é dominadora tanto quanto a física), acho possível que haja uma ascenção feminina mais antiga ou nem precise de uma revolução. Como eu disse, manter a verossimilhança é bom, mas podemos considerar simplesmente que há outras formas de se impor (em termos macro de sociedade) ou mesmo que há mais mulheres fortes (fisicamente) para mudar o status quo do que tivemos na nossa História.

    Até porque a religião e política certas formas de manobrar as massas também possuem um papel preponderante nisso. Se formos pensar, algumas sociedades antigas tinham o papel da mulher muito mais forte, e foram debeladas por civilizações cristãs ou com cristianismo em ascenção (Roma, oi?) e o civismo masculino sempre foi imposto com um papo meio religioso, de nicho de família e tal. Quando você inclui outros valores de dominação, talvez possamos pensar em panoramas diferentes, saca?

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  4. É uma questão bem difícil de ser equacionada essa do equilíbrio entre a verossimilhança e a liberdade de fazer uma personagem sem ser esteriótipada. Já que em praticamente todos os jogos de fantasia as mulheres são bem como você falou “uma personagem feminina, é uma imitação de Joana D’Arc”. Fica até difícil de buscar referências legais e fugir desse padrão existente. Mas mesmo que se consiga, eu acho que sempre vai existir nos jogos aquele grupo de personagens (PDM OU PJ) que ao ver uma mulher sendo por exemplo: Capitã da guarda, vai achar que vai ser super fácil descer a porrada nela, já que ela é mulherzinha. Bem, esse vai ser um bom momento para mostrar que eles estão completamente errados. :P

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  5. Equilíbrio é sempre bom, seja para tornar o jogo divertido, seja para não deixá-lo constrangedor para as partes envolvidas. Homens e mulheres são diferentes sim, e precisamos aceitar nossas diferenças para convivermos felizes.

    Não devo mentir em dizer que não gosto daquele momento “mulherzinha na cozinha, é? Boraver!”, mas levar ao pé da letra questões sexistas podem prejudicar o andamento do jogo, principalmente se houver mulheres na mesa.

    Excelente post. ;)

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