Conceitos e nichos de personagens

Tenho procurado muito um sistema que encaixe bem nas minhas campanhas de fantasia, com um estilo mais narrativista e simulacionista e uma pegada mais Game of Thrones ou Dragon Age, uma fantasia mais densa e enxuta.

O sistema mais promissor até agora é o Storytelling, que estou hackeando e chamado de Fantasytelling. Esse sistema tem um sistema de criação de personagem baseado em compra por pontos, onde você tem relativa liberdade para alocar habilidades e antecedentes, com algumas aparas aqui e ali.

Isso é uma das coisas que me atraiu no sistema, porque eu andava de saco cheio das amarras de arquétipo e nível dos derivados do D&D. É possível fazer personagens mais variados nesses sistemas, mas com o Fantasytelling tenho um suporte mais simples e funcional para isso.

Quando fomos fazer os personagens para o primeiro playtest, catei alguns conceitos de Vampiro e Lobisomem Idade das Trevas e Exalted. Como estou usando aventuras prontas nesses testes, adiantei para os jogadores que seus personagens seriam aventureiros, espadas de aluguel indo atrás de rumores de bandidos assolando um vilarejo (a aventura Um Bann a Mais, do kit do Mestre de Dragon Age RPG).

Mas foram muitos anos jogando D&D, e o sistema de nichos está profundamente arraigado na cabeça do jogador de fantasia, e é difícil largar hábitos antigos. Então surgiram as velhas confusões com conceitos de personagens.
A patroa logo quis fazer uma estudiosa pacifista, mas eu queria mercenários. Acharam estranho não ter mais clérigos curando, e magos podendo fazer isso, mas não teremos conjuradores rotulados aqui, de modo que você pode ser um pirata com magias de fogo e gelo, uma assassina com magia das sombras, um bardo espadachim, etc. 
Apareceram as perguntas de classe, como “posso ser ranger?” – respondi que é só fazer um personagem “mateiro” com um cachorro. Mas de longe a coisa mais difícil de explicar é que não tem ataque furtivo no sistema, no máximo um ataque pelas costas (uma Vantagem que te deixa adicionar o índice de Furtividade no ataque se você surpreende o alvo), porque o paradigma é diferente.
Como a ideia é migrar minhas campanhas regulares para esse sistema, ele precisa ter um equilíbrio entre verossimilhança e heroísmo, mas sem a mentalidade D&D. Emular as classes é um desafio, e a mudança de coisas como o sistema de magia (que agora usa Esferas, como Fogo, Ar, Encantamento, etc. e é mais solta e ritualística) é um dos pontos mais delicados. No campo marcial, deixei as manobras mais simples e estou ajeitando os estilos de combate. Ainda penso num sistema de “façanhas” (manobras combinadas com ataques), mas não sei se vai ficar bom. 
Lidar com os anseios dos jogadores, portanto, não foi tão difícil. Sugerir conceitos e ouvir suas ideias fez com que criássemos personagens dentro do escopo dos nichos, porém bastante diversificados. Adicionamos a isso referências legais (como o game de Dragon Age, filmes, etc.) e o resultado foi bem satisfatório: uma guerreira nobre que luta pela igreja da justiça, sua irmã metida a bruxa e viciada em magia, um ex-rufião que foi convertido pela igreja e tenta se redimir, e um anão besteiro que morava na terra da guerreira nobre e vendia peles à família, e caiu na estrada para salvaguardar as duas irmãs. (e o pior, eu vou postar aqui o reporte dessa aventura também, para a agonia de todos =P)
Do estereótipo das raças eu não pude escapar – ainda estou entre dar benefícios mecânicos a qualquer tipo de raça (já que vou mesmo ter que dar algo como “pontos de bônus” para personagens recém-criados, que são bem fracos se feitos by the book) ou exigir que se “compre” a raça enquanto vantagem, como em GURPS. Ela seria um pacote de benefícios e tudo mais. Se eu não fizer nada, acredito que algumas quebras indesejáveis de estereótipos iam ocorrer, como elfos barbudos e musculosos ou anões altos e franzinos (hum… pensando bem…).
De qualquer forma, isso serviu para refletir sobre os tipos de personagens que criamos. Não sei vocês, mas por aqui tínhamos a mania de criar personagens com afiliações e bem encaixados no mundo onde vivem, como condestáveis de uma vila, padres de uma ordem eclesiástica, etc. Raramente os conceitos de personagens caem nos desajustados aventureiros profissionais. Com o tempo, sempre discutindo sobre o assunto, fomos começando a criar personagens que por algum motivo ou outro acabam na beira da estrada trocando golpes com goblins por glória e/ou grana.
Esses tipos raramente se tornam mercenários organizados (só tenho uma campanha assim), ou assumidamente viajam com o intuito de ajudar os outros (como aquele seriado do Hércules, ou no filme Missionary Man, com Dolph Lundgren). Geralmente são pessoas com uma motivação passageira, como vingar o pai ou salvar a família, que no entanto ficam vagando por aí meio por osmose. 
Esse tipo de personagem é legal se tiver um bom fio-condutor que o leve a “se aventurar enquanto não tropeça na sua razão de existir”, como um irmão que quer ajudar os outros (é o caso de Supernatural), mas fica vazio se não vai atrás do seu plot ou se o narrador não permite que ele entre em contato com isso. Quando a coisa é resolvida, o personagem pode já ter pego gosto pela aventura e continuar, ou se aposentar.
Acredito que o jogo fica mais legal quando essas coisas acontecem de forma consciente, e os conceitos dos personagens são bem resolvidos.

18 comentários em “Conceitos e nichos de personagens

  1. Você então adaptou Storytelling para fantasia heróica um pouco mais pé no chão tipo Game of Thrones? Interessante, depois tem que postar mais sobre isso e sobre como vai ser a campanha. Mas como foi o trabalho pra ajustar e equilibrar tudo isso?

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  2. Eu ainda acho que jogamos pouco o Fantasytelling para ver como se sai no jogo. A questão da magia ainda é meio complexa, e acho que ter liberdade é massa, mas também a gente não deve ficar noiado com “fugir ao estereótipo de D&D”. Ainda tem muitas horas de jogo pela frente até eu chegar a uma conclusão definitiva sobre storytelling em Fantasia.

    Fora que tradicionalmente quando se fala em fantasia medievalesca imediatamente o que surge na cabeça é D&D e OD.

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  3. Companheiro, basicamente tenho duas coisas em mente para deixar as coisas mais ou menos equilibradas e divertidas:

    • Cada “caminho” seguido terá um custo com valores parecidos. Ser um lutador melhor, ser um acrobata melhor, ser um mago melhor… A progressão das proezas do personagem se dará de forma mais ou menos equilibrada porque tudo custará XP. Se um personagem quer fazer tudo, o fará pior que o que se especializa em algo, como na vida real (a não ser que tenha muito XP e seja fodão em tudo! =P).

    • Algumas regras que criei podem ser consideradas “heroicas”, como a Fadiga (basicamente uma espécie de soak / energia heróica pra levar dano, que você leva antes de perder Vitalidade; pode-se absorver até 5 pontos de dano por ataque, além disso é direto na Vitalidade, e quando eles acabarem, obviamente só te resta a Vit.). Além disso, a própria Força de Vontade permite um Esforço Heróico.

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  4. Olá seu Dan!
    Estava dando uma olhadela hoje no RPG.Blogs quando leio um termo que não me é estranho: “Fantasytelling”. Após pensar um pouquinho acabei lembrando de algo que fiz no passado com o mesmo nome, e então corri pra cá afim de dá uma olhadela (adorei o site, por sinal). Devo dizer que, para primeiras observações o texto está ótimo. Fiquei com um gostinho de quero mais, ver melhor como estão indo os seus testes, por isso mesmo apoio firmemente que relate suas sessões com o sistema/adaptação futuramente. No mais, vai fundo! XD

    Até and Bye…

    PS: eu linkei aqui no meu nic a tag para o que eu postei do meu Fantasytelling. Tá uma bagunça só, favor releve se tiver o interesse de olhar. E fique a vontade pra copiar… quer dizer, “inspirar-se” no que quer que esteja escrito lá (faz tempo que não olho esse material).

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  5. Pois é bicho, é uma vontade antiga, fazer uma versão de fantasia pra esse sistema que adoro!

    Sobre o seu material, eu vou olhar AGORA! Você não sabe COMO procurei adaptações de outras pessoas do sistema pra não começar sozinho e do zero.

    Tenho certeza que seu material me ajudará muito! Fica tranquilo que eu não tenho a menor impressão de publicar isso (afinal nem poderia, né), e tudo que publicar e me basear do seu material (se você me der permissão), será rigorosamente creditado a você.

    Bom demais encontrar outras fontes, agora não estou mais tão sozinho no mar =P

    Sobre o nome, é uma associação que vem fácil à cabeça, né?

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  6. Olá!
    Creditado pra mim é o que conta, por isso fiquemos tranquilos. :)

    Como eu sou doido pra sair alterando tudo que é sistema que uso (e também compartilho dessa eterna busca ao “sistema perfeito”), acabo sempre experimentando muita coisa (e algumas tantas já comecei do zero). Um desses experimentos foi o Fantasytelling (realmente o nome vem fácil demais na cabeça… XD), que agora está pra quem quiser dar continuidade, mudar ou bagunçar tudo de vez. A ideia de criá-lo foi bem próxima a sua (um sistema para fantasias “pé no chão”), pelo que me lembro, mas acabei usando-o num jogo nada realista (e meio overpower no final). Foi uma boa experiência, pena que não o pus para frente. Agora a bola é sua. XD

    Meu projeto atual (além de está narrando Naruto no BESM d20 novamente) consiste em testar o meu amado SANDU RPG e suas duas versões: a narrativa e a d20 (termos auto-explicativos, assim como suas possíveis aplicações). Mas e o tempo? Hehehehe… XD

    Até and Bye…

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  7. Eu não creio que Storytelling seja o ideal. Acho que se você quer algo mais ao estilo Game of Thrones, dá uma olhada no próprio sistema para ver se ele emula o clima que você quer dar.
    Um sistema que é bem legal é o M&M, tem um suplemento, o Warriors e Warlocks, que explica como adaptar cenários medievais. Eu gosto dele por ser bem leve e livre de certas amarras de D&D.
    Já se você quer algo mais fora do D&D, recomendo o FATE. A versão do Espírito do Século é bem pesadinha, mas as do Diáspora e Dresden Files parecem ser mais enxutas. Acho que lá você consegue encontrar algo mais dentro do que quer e se livrar totalmente de D&D.

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  8. Olá!
    Se o foco do sistema for GoT, existe um sistema próprio lançado para o mesmo (A Song of Ice and Fire RPG – Core Rulebook; ele é bem interessante e tem ideias bem bacanas que podem ser exportadas para outros sistemas). Se for criar um sistema genérico para fantasias medievais mais realistas, acho que o FATE casa bem (realmente o FATE apresentado pelo Dresden Files é mais coeso que o do Espírito do Século, mas ambos são bem válidos). Se for pra manter o mínimo de heroísmo, acho que o Storyteller/telling pode ser usado, com as devidas modificações (o Exalted provou isso). O FATE tb, mas ai vc teria que propor a sua própria mecânica de “poderes”.

    No mais, acho melhor apostar no que já se domina. Eu comecei a adaptar/criar assim, até chegar no meu “padrão de qualidade”.

    Até and Bye…

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  9. Acredite Moses, eu já procurei bastante. Sou muito frescurento pra sistemas: não gosto dos aspectos do Fate, e não gosto de sistemas que usam d6 (fora Dragon Age). Não gosto do esquema do Fudge. Nunca conseguiria narrar M&M, é um sistema massa, mas pra mim só como jogador! O Game of Thrones entra nos sistemas com focos que não quero, como o de Pendragon, bastante preocupados com afiliações e outras coisas, e eu quero um sistema que equilibre o foco na história e de combate. GURPS é muito complicado pra mim, porque tenho muito pouco tempo e paciência hoje em dia. Burning Wheel parece legal, mas tenho preguiça de aprender – bem como Dungeon World.

    Storytelling é o sistema que mais gosto, que serve como uma luva pro tipo de parâmetro narrativo que quero. Estou testando aqui conceitos dele, do Dragon Age RPG, do Old Dragon e do +2d6 do tio Nitro. Se o ST não der certo, partirei para o plano B, que é uma misturebona de todos os conceitos desses sistemas. No fim, acho que serei um narrador feliz para o resto da vida! =P

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  10. Olá!
    Eu já tentei “empurrar” os Aspectos do FATE nos meus sistemas genéricos experimentais, mesmo os mais narrativistas, mas sem uma forma bem definida de construção de ficha ou limitação de como eles podem ser construídos a coisa fica tão variada que não me agrada. Como narrador, eu me sentia perdido de como ensinar e usar a mecânica. Como jogador, eu via a oportunidade para ter pontos de Vontade/Destino/Fate extra apenas. Acabei largando a mão deles na sua concepção tradicional e os resumi a Traços, assim como no Mouse Guard.

    Com relação ao GURPS, eu o desaconselho a quase todo mundo. Eu adoro o sistema, mas tenho que confessar que ele é um pé no saco em várias ocasiões para controlar. Minha experiência com a 4ª Edição dele: http://paporpg.blogspot.com.br/2012/02/eu-narrei-gurps-4ed-e.html

    Quando estiver mais consciente que meu SANDU RPG funciona como eu quero Dan, eu te apresento.

    Até and Bye…

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  11. Tá ok então! Meus conhecimentos quanto a sistema são poucos, espero que encontre o que está procurando. Eu estou num problema semelhante mas sem querer ter que adaptar tudo o que tenho pronto para outros sistemas. Minha proposta é quebrar o D20 e reconstruí-lo dentro do que acho que é o melhor.
    Quero ver se consigo deixá-lo no ponto de precisar de pouca adaptação entre o material que tenho e o sistema reconstruído.

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  12. É grande Moses, sua paciência é infinitamente maior que a minha, isso sabemos! Tenho certeza que você vai achar uma alternativa legal ao velho D20, deixando ao seu gosto. Era isso que eu queria fazer no começo, mas percebi que pra mim, não rola. Mas não desista! Se quiser uma dica, procura jogos como Iron Heroes, Legend e as adaptações do pessoal dos blogs Halls of Valhalla e Reduto do Bucaneiro, que ajudarão muito. =)

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  13. Cara, acho que o Savage Words pode lhe servir bem.

    Eu ainda prefiro o WoD/Storytelling, pena que a maioria das coisa é em inglês. Existem estilos de Combate realmente poderosos.

    E sobre a liberdade, eu adoro o Story por poder comprar aquilo que me agrada, começar sendo aquilo que quero ser, coisa que odeio no D&D, onde preciso sempre esperar para poder ser coisas que quero ser.

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  14. Dan, blz. Olha eu ai pentelhando vc novamente. Cara antes tarde do que nunca, estou pondo minha leitura do seu blog atualizada, então … concordo com vc, e acho muito bacana tentar conseguir essa dinamica na hora de criar os personagens. Sempre achei que os sistemas nos deixava presos. Gosto muito do gurps, ele sempre me deu liberdade. A ideia de vc comprar as habilidades e montar seu personagem do seu jeito kkkk um ninja feiticeiro das sombras kkk, um mago guerreiro das chamas sagradas kkkk. bem, então gostaria de te desejar sorte e espero que logo vc nos fale mais sobre o sucesso de sua criação.

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