O dilema dos personagens durões

Justified é uma das minhas séries favoritas. Ela conta a história de Raylan Givens (Timothy Olyphant), um US Marshal old-school que é transferido de Miami para sua terra natal no pobre e rural leste de Kentucky. 
Desnecessário dizer que sendo Givens macho bagaray, detona todo mundo e traz momentos de catarse o tempo todo, como a maioria das séries da FX (Sons of Anarchy, alguém?). 
Dia desses estávamos eu e a esposa Elisa assistindo um episódio, e começamos a pensar em um assunto mais importante que se pensa dentro do RPG – os personagens badasses.

O herói durão é muito comum e apreciado em franquias como Justified, Sons of Anarchy, House, Hell on Wheels, Tomb Raider, Bastard, Machete, Berserk, Duro de Matar (e a maioria dos filmes dos anos 80), etc. O protagonista sem frescura, que salva o dia no fim das contas, pega geral e nunca morre, porque ele é fodão e deu.

Há algum tempo atrás, criou-se uma mania de heróis que se machucam, que sofrem, mais humanos e tal. Acho legal, mas perceba que mesmo com todos esses atenuantes, os protagonistas continuam sendo prodígios, pessoas que se diferenciam do resto – vide Jason Bourne ou o novo James Bond
No RPG, esse tipo de história fica um pouco mais difícil. Além dos personagens não terem o roteiro a seu favor (afinal, o roteirista/escritor sabe exatamente como vão ser as consequências dos atos do personagem), trata-se de um jogo em que tem várias pessoas especiais trabalhando juntas, e a coisa pode virar facilmente uma briga de egos. 
E é meio o que acontece na maioria dos grupos de D&D, quando há conflitos entre alguns personagens porque eles discordam sobre algum curso de ação. Além disso, a maioria dos RPGs são jogos de evolução onde os personagens começam fracos (na 4E o personagem já começa bem heroico, mas ainda apanha pra kobold se não tomar cuidado).
Mas por que estou divagando sobre isso? Bem, sempre tive um discurso revoltado contra o que chamo de “atitude D&D”, onde os jogadores se comportam como heróis durões que sempre metem o pé na porta e resolvem tudo dando um ataque de carga. 
Já escrevi posts falando de consequências de atos imprudentes, sempre reclamei de jogadores cujos personagens são sempre “suicidas” e no meu recente jogo de Fantasytelling (um hack de Storytelling que fiz), se os jogadores atacassem um acampamento de bandidos de forma leviana, sem um bom plano, eu sabia que seria TPK. Além disso, sempre critiquei a atitude de alguns jogadores ao manter um discurso arrogante com personagens mais apelões ou que fazem o gênero durão. Mas refletindo agora, já começo a pensar diferente.
O verdadeiro herói é um indivíduo que, além de se destacar em algo, é capaz de fazer literalmente qualquer coisa por um ideal, dando a vida e indo o mais longe que puder para conseguir. Mesmo os que bancam o mauzão, como Riddick de Eclipse Mortal, Han Solo ou Dante de Devil May Cry caem nessa definição. E o personagem durão (homem ou mulher) é aquele que já passou por muita coisa na vida e não tem tempo para frescura, tem muita responsabilidade nas costas.
Um personagem que quer ser durão mas é de nível baixo é algo no mínimo engraçado, porque soa muito mais como um adolescente rebelde e birrento que não tem conteúdo algum. A não ser, é claro, que o jogador faça isso de propósito para ver aquele personagem amadurecer e aprender a viver na marra (eu já fiz isso, com um cavaleiro que no início era um verdadeiro moleque irresponsável e metido, mas à medida que os níveis foram passando, foi mudando). 
Personagens que já são criados mais poderosos, ou avançam bastante no jogo, passam naturalmente essa aura de superioridade e já manjam mais de tudo, porque possuem uma bagagem nas costas. São personagens mais velhos, com inimigos e tragédias pessoais, que portanto sabem exatamente como agir de forma inteligente mesmo que suas atitudes pareçam suicidas e estúpidas (afinal, ele sabe escolher as suas lutas). 
A questão é que, se os jogadores acabam agindo do mesmo jeito irresponsável e infantil que agiam antes, a “fodice” do personagem fica uma coisa forçada e plástica, uma bravata sem valor, que às vezes só funciona porque as regras favorecem. Por outro lado, mestres costumam torcer o nariz para personagens que se comportam como badasses, justamente porque encaram os jogadores como presunçosos e inconsequentes. 
Sendo assim, acredito que a coisa pode dar certo se um lado souber dosar as atitudes do personagem de forma que fique coerente com sua personalidade ou com que ele viveu no passado (em jogo ou em prelúdio), e se o outro lado conseguir baixar um pouco seu ego, pensar que aqueles personagens mereceram agir de forma superior e que nem todo PNJ seu precisa ser mais “fodão” que eles – é bom encontrar um PNJ mais velho, sábio e forte de vez em quando, até para se inspirar nele, mas é importantíssimo ter consciência de que em breve são os PJs que estarão naquela posição.
Veja só Os Mercenários (The Expendables). Aquilo lá é um excelente exemplo de um grupo de personagens durões, lendários e famosos, todos juntos. Logo no começo, há uma mega disputa de egos entre o Stallone e o Dolph Lundgren, mas ao longo do filme eles acabam fazendo as pazes. Cada um tem sua função, mas todos impressionam o público em uma hora ou outra, com seus talentos extraordinários. 
Tem capangas fracotes para todos darem um show, e quando aparecem desafios realmente difíceis, a gente sente aquela euforia que diz “agora lascou”. E como não vibrar como um louco quando Terry Crews pega aquela metranca sobrenatural e explode minions como se fossem saquinhos de leite? E tudo isso com eles se machucando, se dando mal e chegando perto de atitudes suicidas, mas sem fazer besteira demais.
Isso também é uma importante dica para mestres que transformam seus jogos em corridas armamentistas: na minha humilde opinião, nem todo combate e problema a ser superado pelos PJs precisa ser extremamente desafiador e difícil.

É bom deixar eles se divertirem massacrando inimigos fracos, é reconfortante ser reconhecido nas cidades onde pisa, receber ajuda e recusar pedidos de ajuda de NPCs novatos ou mais fracos que eles (especialmente se envolver aventuras de nível baixo que certamente os atrasariam; você verá como eles vão compreender porque os NPCs fodões não resolvem os problemas do mundo nem saíam de suas casas para ajudá-los quando eles estavam no 1º nível).

É bom se sentir importante e temido. Além do mais, quando eles tiverem desafios à altura de suas capacidades, sempre vão sentir que se trata de algo especial, no clímax da aventura. É bom que quando você usar um NPC bombado, o pessoal não vai mais reclamar tanto. :P

Acho que daqui em diante, não vou mais olhar feio para meus jogadores quando eles estiverem interpretando valentões, e tenho certeza que você também não! 

3 comentários em “O dilema dos personagens durões

  1. Legal o post! :D
    Bicho, para mim, o personagem mais badass e profundo que eu vi nos últimos tempos é Jaime Lannister. O cara tem toda uma carga de incompreensão que fez ele virar o que ele é. E mesmo em situações desfavoráveis ainda é badass, mesmo que seja nas palavras ahuauhuaha. Quem leu o terceiro livro sabe do que to falando.

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  2. Eu acho interessante o conceito do badass, mas acho que o principal problema em Pjs com esse conceito é a falta de bom senso. É a falta dele que fode a porra toda. Muito difícil ver um PJ badass de verdade sem que haja choradeira em off (que broxa qualquer um) e em situações bem escolhidas. A falta de noção na hora de escolher suas brigas é o fator determinante para que uma coisa que poderia ser massa virar uma pândega irritante.

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  3. Fala pessoal. Concordo com a Elisa, várias vezes já vi jogadores com personagens Badass que ficavam choramingando depois das bobagens que tinham feito, Inconsequências são coisas que alguns jogadores deveriam pensar bem antes de agir com seus personagens, as vezes prestando um pouquinho de atenção na aventura corrente pode evitar muitas coisas assim. Personagens Badass são bacanas, mas é necessário ter consciência disso antes de se atirar ao perigo ou provocar encrencas maiores do que pode aguentar.

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