Anões e a visão maniqueísta

Os anões costumam ser retratados como guerreiros e trabalhadores eficientes, que habitam e mineram as profundezas da terra, bebem muita cerveja e produzem tesouros maravilhosos. Ao longo do tempo, a raça foi ganhando uma reputação de leal, estoica, justa e austera, organizada em clãs fortes e tementes a um deus forjador bondoso e heroico. 
Os muitos livros de D&D costumam apontá-los sempre direcionados ao alinhamento Leal e Bom, ou ao menos Leal. Eu gostava desses arquétipos junguianos, e criei muitos anões bonzinhos e respeitosos, como os leais engenhoqueiros de Castelo Falkenstein e os guerreiros seguidores da justiça de Tormenta.
Porém, com a maturidade meu gosto por tons de cinza foi aumentando, e fui procurando outras abordagens da fantasia. Essa visão que costumamos ter da raça é bem superficial e própria de D&D, onde as raças indicadas para jogadores tendem ao bem, possuindo inclusive nêmesis raciais para lutar contra – duergars, elfos negros, etc. Mas há algumas boas alternativas que podem ser exploradas. A ideia desse post surgiu porque estou relendo O Hobbit e cheguei à citação:

“Os anões não são heróis, mas um povo calculista, que tem em alta conta o valor do dinheiro; alguns são ladinos e traiçoeiros, pessoas muito más; outros, não, são decentes o bastante como Thorin e Companhia, se não se espera muito deles.”
Ou seja, a própria inspiração-mor do D&D é menos maniqueísta do que imaginamos quando paramos para pensar. Os anões sempre acabam ferrados por conta de sua própria ganância e soberba, e toda a aventura d’O Hobbit é para reaver um tesouro, ressaltando a cobiça do povo. Sei que isso serve para ensinar valores, mas a falha moral da raça está lá. 
No mundo de Tormenta, os anões são filhos do deus da justiça e da deusa das trevas (por aqui a gente sempre diz que foi um amor de verão :P), o que insere algum tempero ao caldo, permitindo desvios de conduta frequentes e uma linha interessante de conflitos – há anões que viram vampiros, usam pólvora (que no cenário de campanha é obra de demônios), etc. Eu fazia questão de ressaltar isso nos meus jogos de Tormenta.
Os anões originais (da mitologia nórdica), aliás, são uns malandros trapaceiros e gananciosos de má reputação, embora sejam lendários artífices, fazendo peças magníficas para vários deuses. A título de curiosidade, aliás, anões mitológicos famosos incluem Durinn, Dvalinn, Nain, Dain, Bívör, Bávör, Bömbur, Nóri, Ori, Oin, Fíli, Kíli, entre outros. Reconheceu os nomes? :D
Aqui vai pra faca!
Quando comecei a jogar Dragon Age: Origins, fiquei maravilhado com a abordagem do cenário para os anões. Imersos em politicagem agressiva, longos debates e intrigas crueis, com facções literalmente se matando nas ruas para defender sua “honra”. Eles ostentam todas as qualidades do estereótipo racial nas aparências, mas são todos uns sacanas gananciosos que ostentam um sistema rígido de castas, fazem tudo por debaixo dos panos e varrem seus proscritos (que chamam de “dusters”) para baixo do tapete, segregando-os em favelas na periferia de sua majestosa cidade esculpida em meio a veios de lava. 
O aspecto de eternos guerreiros da raça é refletido nos constantes combates contra as hordas das crias das trevas, os monstros principais do cenário (uma versão mais profana e infernal dos orcs, bugbears e ogros). Eles perderam muitas cidades para estas criaturas, que assolam as estradas majestosas que as ligavam.
Assim, hoje em dia, minha visão ideal dos anões é a seguinte. A primeira “camada” de conhecimento os define como guerreiros que vivem nas profundezas da terra, grandes artesões que criam incríveis tesouros. 
A segunda os categoriza como radicais irascíveis e intolerantes com grande gosto por ouro, habilidades incríveis e uma certa honradez. 
A terceira (que seriam os próprios anões e aqueles que possuem bastante contato com eles) sabe que são políticos implacáveis, gananciosos e que se esforçam bastante para manter suas tradições, leis e costumes impecáveis. 
Uma coisa que defini no meu cenário caseiro e gosto muito é que eles possuem igualdade sexual, julgando qualquer um pela sua competência e importância de seu clã. Assim, os casamentos arranjados ainda são feitos, mas os dois clãs pagam e a mulher não é propriedade de ninguém. E não, minhas anãs não possuem barbas, elas têm com os cabelos os mesmos cuidados que os anões possuem com as barbas.
Obviamente não li nem joguei todos os livros e RPGs de fantasia que há por aí, e não sei como são os anões de Warhammer e outros. Estou falando com base na minha percepção e no quadro geral da coisa,   e vou gostar de ver citações de outras abordagens que não conheço aí nos comentários. De qualquer modo, como vocês pessoalmente veem a raça?

13 comentários em “Anões e a visão maniqueísta

  1. Boa…acho que não só os anões, mas outras raças são utilizadas de forma maniqueísta e muito superficial, mas respeito, dependendo do objetivo na mesa. Mas meus anões sempre foram gananciosos e criavam grandes problemas ao resto do grupo, quando o tema é tesouro…

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  2. Uma ótima análise, posso dizer que minha visão atual não difere muito da sua até mesmo a mudança de percepção passando pelas mesmas etapas, mas por fontes diferentes.

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  3. Cara que anão foda, é bem válido encará-los assim, se pararmos pra pensar em todos os lugares que vemos anões eles são excelentes em ofícios, mas pra que criar algo excelente se não for pra vender por mais? Estew é o tipo de visão que toda raça deveria ter, o que seria então dos halflings Dan?

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  4. O que me lembra esse comentário que vi na comunidade old school gamers:

    I never understood the need for the “anti” in “anti-paladin.” I know that, traditionally in the real world, the term paladin was related to those considered virtuous or holy warriors, such as Charlemagne's Paladins. But, ask the Saracens if the Paladins were holy; you'd get a different opinion! Anyway, the Merriam Webster definitions are: 1) a trusted military leader (as for a medieval prince) and 2) a leading champion of a cause. That second definition above is my point here: It doesn't say “champion of a GOOD cause.” A paladin is a champion of a belief, cause, religion, whatever. So, even if that religion is evil, they are still just a paladin!

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  5. Bom post! Os anões da mitologia nórdica ás vezes são descritos também como covardes e de caráter dúbio, mas a ganância pelo dinheiro, a ligação com a terra, minérios, engenharia e forja são características praticamente inerentes a 99% dos cenários e fantasia, inclusive Warhammer.

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