Improvisando combates mais empolgantes

Anos atrás, em uma das únicas vezes que tentei mestrar D&D 4E, escrevi um texto dando conta de que as pessoas podiam fazer ações além do que diziam os poderes. Fiz isso porque na época os jogadores andavam meio bitolados com suas habilidades, chegando a ficar perdidos em algumas situações – por exemplo, quando tiveram que pensar em uma senha para dar a robgoblins inimigos em uma dungeon e ficaram varando suas fichas (acabaram partindo para a porrada). Hoje em dia, tenho sorte de dizer que não temos mais esse “problema”.
Sabemos que sistemas com regras mais abertas permitem que as pessoas improvisem na hora de fazer as ações e criem suas próprias regrinhas na hora. Isso costuma ser taxado como falha de design, onde se exaltam sistemas estruturados, com “mais opções mecânicas”. Mas para esta reflexão, eu parto do princípio que nem o conjunto de regras mais pesado prevê todas as situações, e creio que qualquer sistema acaba ficando cansativo quando a mesa se limita ao que está no script. Não que ter recursos mecânicos e se manter neles seja algo ruim, mas eu pessoalmente gosto demais quando os jogadores se sentem à vontade para tentar ações legais, como derrubar o monstro esticando uma corda, jogar óleo (ou estrepes) para retardar perseguidores, desmoronar um pilar em cima de alguém, usar as estalactites ou o candelabro para se jogar em cima dos inimigos…
Ontem começamos uma campanha de Dragon Age RPG (sucessora da Canção Escarlate), um sistema extremamente bem pensado para iniciantes, com manobras de combate bem organizadinhas na forma de Façanhas – dependendo da sua sorte de tirar dois dados iguais no ataque, você pode sempre fazer alguma manobra doida. Já tinha narrado o sistema antes, mas a  gente se sentiu meio limitado (achava que era sempre rolar os dados e torcer por um “duplo”), e foi preciso alguns meses de jogo com meu irmão para aprender a gostar do DARPG e deixá-lo mais com a nossa cara. Nenhuma grande alteração de regras, apenas o uso mais tranquilo de improvisação.
Gosto sempre de pensar no Mutantes & Malfeitores para usar de forma mais aberta manobras e habilidades dos sistemas que jogamos. Ele prevê que os jogadores vão tentar coisas que os poderes e talentos não cobrem, e permitem que o narrador improvise poderes novos de acordo com a ação desejada. Por exemplo, se um personagem superforte não possui o poder Blast (rajada) e decide pegar um carro e jogar num vilão, o narrador pode pegar o Blast e calcular de acordo com as circunstâncias, dando temporariamente o poder ao personagem. Mesmo quando o jogo tem muitos subsistemas, dá pra tomar as mecânicas básicas e dar uma maior elasticidade para lidar com situações imprevistas. 
No caso do Dragon Age RPG, nós só precisamos tomar o core do sistema (3d6 + Habilidade + Foco versus um Número-Alvo ou resistido contra outro teste). Quando alguém quer fazer uma ação não prevista pelas regras, é só fazer um teste resistido com seu alvo e adjudicar os efeitos. Se quiser realizar uma ação que simula uma façanha (ou seja, desarmar, derrubar ou mover alguém) sem arriscar um duplo e ter pontos de façanha suficientes, role os dados e ganhe um benefício um pouco maior pela façanha. Por exemplo, ontem o guerreiro queria levantar um genlock alfa, levá-lo até a beira do abismo e jogar lá embaixo. Pedi um teste de Força (Poderio Muscular) resistido. Considerei então uma escaramuça especial, onde ele se moveu com o monstro uma quantidade de metros igual ao dado do dragão (um dado especial entre os 3d6) + Força. Esse jogador, aliás, vive fazendo ações diferentes (ele jogava com o espadachim Javier na nossa Canção Escarlate, sempre fazendo acrobacias espetaculares). 
Quando jogamos meu Mundo das Trevas Fantasia, as improvisações são fáceis de lidar porque a mecânica de testes é simples (Atributo + Habilidade + modificadores) e a construção dos personagens favorece (e indica) determinados tipos de improvisações. No Old Dragon então nem se fala, com o sistema simples e aberto para qualquer maluquice se materializar – por sinal, esse mesmo jogador controlou um elfo guerreiro na aventura que reportei aqui ano passado, e foi o que mais fez improvisações, matando uma demônia no combate final em uma manobra muito sensacional (usou o cabelo dela de pêndulo, saltou nas costas e enfiou a espada).
Mas como estimular os jogadores a fazer ações inusitadas, e como dar suporte a isso tudo sem enlouquecer? Para começar, eles podem se empolgar e ter ideias ao ver exemplos das coisas acontecendo (monstros, NPCs e outros PJs usando o cenário e fazendo coisas malucas). O narrador precisa descrever bem o ambiente ao redor e a posição dos indivíduos na cena, para todo mundo imaginar a mesma coisa – miniaturas ajudam (embora às vezes atrapalhem, como escrevi aqui). Além disso, o sistema precisa dar um bom suporte a improvisações e bonificar ações inspiradas, ou ao menos não evitar/dissuadir os jogadores a achar soluções criativas – o D&D 3E, se não me falha a memória, penalizava manobras se os personagens não tivessem o Talento apropriado. Já alguns dão bônus por ações legais (Exalted me vem à cabeça, assim como meu sistema de pontos de trama, que premia ideias empolgantes). Nem precisa ir muito longe: um +2 para acertar dado ao ladino que se balança num candelabro já faz olhinhos brilharem.
Para os jogadores, é mais fácil do que parece pensar fora da caixa. É prestar atenção no combate, aproveitar as oportunidades (cenários de combate estão – ou deveriam estar – cheios de pilares enfraquecidos, fossos e abismos com estacas ou lava, teias de aranha, tochas, lugares propícios para amarrar cordas, barris cheios de explosivos só esperando para tomar um tiro…) e lembrar dos filmes, quadrinhos e games (que são ótimos para inspirar ações criativas – praticamente todo chefão precisa ser derrotado com soluções específicas). Também tem aquele seu vidro de óleo ou bolsa de cola no fundo da mochila, e o fato de que o monstro pode ser grande mas nem sempre aguenta o teto caindo em cima dele, e certamente não entra em lugares apertados (ou não aguenta uma queda grande), etc. Isso inclui também o uso de feitiços: teias podem impedir quedas, raios podem derrubar pilares e provocar desmoronamentos, áreas escorregadias podem empurrar inimigos para armadilhas, etc. Até mesmo narrar de forma empolgante os ataques, com uma ou duas palavras a mais, empolga o combate. Se você diz “eu puxo o escudo e giro o machado nele” ou “eu corro, pulo e ataco de cima pra baixo com a espada”, na minha opinião empolga todos e não exige tanta criatividade (nem atrasa o jogo). 
Lembro inclusive de um combate com um dragão em um campo aberto (eu sempre achei que burro é o dragão que luta dentro duma caverna, sem espaço pra voar!), onde os guerreiros de corpo-a-corpo ficariam a ver navios, mas a cavaleira de uma jogadora fez a “manobra Bowen” (amarrou previamente uma azagaia numa corda e a corda no cavalo, espetou a asa do dragão e se prendeu com o cavalo em um nicho entre rochas, derrubando o monstrengo, que não era tão grande). Se eu ou o sistema fôssemos impedir a ação, uma ótima ideia teria morrido. E a ação inspirou os demais jogadores, que usaram suas próprias cordas para laçar e prender o dragão ao chão. Aliás, certos monstros por aqui simplesmente não dá para derrotar só na porrada. Depois de me inspirar muito por filmes, séries e games, os jogadores têm se deparado com criaturas que só podem ser derrotadas pensando fora da caixa, no melhor estilo Supernatural.
Por fim, creio que tudo fica mais legal quando o narrador interliga as narrações, mantendo a ficção em movimento. Se o jogador errou o ataque ou causou pouco dano (no caso de sistemas com pontos de vida/saúde mais abstratos), na hora que chega o turno do inimigo eu já emendo como ele empurrou a arma do PJ com o escudo e tentou acertá-lo com a guarda baixa. Jogadores que ficam mais no “eu ataco”, eu costumo ajudar narrando com poucas palavras o ataque por ele, e geralmente deixa o jogador tímido bastante empolgado.
A maioria dos sistemas possui conjuntos de manobras genéricas por onde os jogadores e o narrador podem utilizar e se basear. No Old Dragon, temos algumas pinceladas, e cada mestre cria seu conjuntinho de regras da casa para manobras de combate. O Dragon Age tem as façanhas e as improvisações que falei aqui. O Storytelling tem manobras genéricas e estilos/vantagens de combate. O Savage Worlds segue o mesmo caminho. Então, é só pegar o básico que cada conjunto de regras dá e improvisar. Isso, claro, vai do gosto da mesa; é assim que a gente faz por aqui. Se contar a quantidade de pilares derrubados em cima de inimigos aqui, dá pra construir um castelo! :D
Até a próxima!

Imagem: Jon Hodgson

17 comentários em “Improvisando combates mais empolgantes

  1. Muito foda! O triste é que existem muitos mestres que não abrem espaço para a improvisação, se não esta previsto nas regras, você não pode, isso é chato e muito frustrante.

    A flexibilidade é uma das maiores qualidades que um sistema pode ter.

    Curtir

  2. Concordo 100% com tudo o que disse no post Dan, parabéns!
    A sensação é outra quando os jogadores buscam outras maneiras de vencer desafios, e exemplos não faltam, como você disse.
    E tudo parte também do exemplo, se o mestre age assim com os NPCs, logo logo os jogadores começam a botar a imaginação pra funcionar.
    Na nossa campanha atual do OD, chegaram 2 novos jogadores: um deles é meio parado, enquanto o outro vive interagindo com tudo, daí os outros jogadores começaram a ficar mais empolgados nos encontros.

    Curtir

  3. Como sempre muito bom o texto Dan!

    Eu concordo com você e por isso prefiro jogos em que a ficção vem primeiro – os story games.

    No Dungeon World, por exemplo, nunca deveria surgir esse problema. O livro deixa claro que primeiro você descreve sua ação ficcionalmente e depois, junto do narrador, procura as regras necessárias. Chegou a experimentar esse jogo?

    O Fate usa o mesmo principio – e os Aspectos são perfeitos pra emular efeitos especiais e condições. Aspectos são uma das melhores invenções do RPG!

    E isso não é exclusivo de jogos com poucas regras. O Burning Wheel seque o mesmo principio de “Ficção primeiro, regras depois” e é um sistema super pesado, onde cada rolagem de dado importa (pq ela pode alterar o seu personagem).

    Essa mudança de paradigma pode parecer boba mas ela foi tão disruptiva (comparada aos rpgs) que os fãs do DW criaram um guia para que os jogadores tradicionais entedessem a pegada do jogo! :P

    Curtir

  4. Mas aí é que está, eu penso que isso pode ser feito em qualquer sistema. Nunca joguei o DW (não acho ninguém que narre pra eu ver como é na prática), mas se não rolar o estímulo correto, os jogadores tímidos vão continuar tímidos mesmo nele.

    Eu acho os Aspectos bem bacanas; pelo que entendi, são formalizações do que alguns narradores já consideravam informalmente, “verdades narrativas” que modificam os testes e dão vantagens/desvantagens de história aos personagens (ou seja, levar em conta o histórico, personalidade e vantagens do personagem em qualquer atribuição de modificadores, etc.).

    Ou seja, recomendo a qualquer narrador dar uma lida nesses sistemas (e no Savage Worlds e Cortex também, pra pegar boas ideias com os bennies e plot points). Inclusive eu uso os plot poins no meu Storytelling (vou linkar o post onde falo disso).

    Curtir

  5. Oi Dan, concordo contigo, dá pra fazer isso em qualquer jogo mesmo. E recomendo a leitura dos jogos mesmo. Alias, conhecer jogos diferentes é quase um hobby a parte pra mim.

    Se topar jogar online via Hangout, podemos marcar algo, até!

    Curtir

  6. Em determinada vez, durante um evento (joguei apenas duas vezes em eventos) eu fui jogador de um mestre assim, o jogo foi muito chato, uma sequência de “eu ataco” e “você acertou e causou X pontos de dano”, sério. No início eu e um outro jogador (um garoto de uns 10 anos muito criativo que estava jogando pela primeira vez, elogiei ele horrores para a mãe dele depois!) tentávamos, mas o mestre sempre vinha com aquela de “deixa eu ver sua ficha” seguido de um “não”, com o tempo percebi que eu já estava constrangendo ele, então parei e torci para a aventura acabar logo.

    Teve uma parte que o garoto (jogando com um bárbaro) disse que queria tentar pular sobre o guerreiro e usar o escudo dele como um trampolim para ganhar mais impacto com seu machado e alcançar a cabeça do monstro (muito foda), fiquei até bravo quando vi a cara de chateado do menino e a de desdem do mestre.

    Curtir

  7. hehehe
    Esse último reporte foi caos total! (o que não quer dizer que tenha sido ruim, muito pelo contrario) Um combate sem caos fica igual xadrez, se quisesse xadrez no RPG ia jogar 4ed.
    Caos é o que há!

    Curtir

  8. Muito bom o texto. Eu não mestro RPG, mas acho que um bom incentivo para jogadores se moverem na mesa são desafios no combate alem do “bater/defender”, um combate num terreno prejudicado, por exemplo, causando uma maior desvantagem para o grupo em relação ao adversário, pode fazer com que o “instinto de sobrevivência” ative a criatividade de cada um. Claro que entendendo como funciona o grupo de jogadores e personagens, se grandes combates tiverem um ambiente favorável para soluções criativas, o grupo pode perceber que aquele monstro aparentemente impossível de matar, a segunda vista pode ter no cenário seu ponto fraco.

    Curtir

  9. Oi Dan, isso tinha ficado meio implícito (mas deduzi que você achava isso pelo que leio aqui).
    Dos sistemas que você falou o Cortex eu nunca joguei e sempre ouvi muito elogios – tava pensando em pegar o Cortex Hack Guide em pdf… O SW eu li mas não me empolguei muito.

    Curtir

  10. Muito bom o texto. Em minha mesa uso as regras conforme os jogadores vão resolvendo seus problemas. Os jogadores muitas vezes nem sabem como vou tratar tal acontecimento, mas eles não se importam, preferindo o resultado que a regra do teste em si. Porem, já participei de mesas em que o grupo “necessitava” de regras pesadas e se sentam muito felizes assim. Dentre elas, pelo incrível que pareça, uma mesa de Vampire, que apesar de toda liberdade, pareciam que estavam jogando Battletech. Mas é do grupo, e eles adoravam assim.
    Muito bom… Vlw.

    Curtir

  11. “Por fim, creio que tudo fica mais legal quando o narrador interliga as narrações, mantendo a ficção em movimento.”

    sério, essa frase aqui é praticamente toda a premissa do Dungeon World. E vou narrar esse sistema pra ver como funciona mesmo usar de improvisos com um conjunto simples e fluido, mas sólido de regras. Estou muito ansioso pra ver como o grupo agirá ante esse sistema nos combates e interações mais pesadas.

    Curtir

Dê um pitaco, não custa nada