Todo protagonista é um pária

Parece que nesses três meses de exílio a maioria de vocês continuou mantendo as visitas deste bar, muito legal. Aí a vida deu uma estabilizada, lentamente vou voltando a mestrar e o Franciolli voltou com o blog dele e me deixou a fim de voltar. É, estou ensaiando um retorno também.

Vai ser naquelas, de aparecer quando ter e rolar a vontade (embora tenha o título de uns dez posts). E provavelmente com posts mais curtos (e retos, espero), com pensamentos malucos aleatórios. E como não sou muito fã de posts-comunicados, esse aqui é o primeiro de muitos.

Esse dias fui assolado com o pensamento que entitula o post: todo protagonista é um pária. Vejo muita zoação com caras como Drizzt Do’Urden e Happy Feet, mas se você pensar bem, todo personagem cuja história vale a pena ser contada é uma anomalia dentro de seu meio.

Afinal, eu não vejo, em uma campanha comum (de heróis ou, ao menos, não-vilões), você jogar com um perfeito exemplar da sociedade drow. Mesmo que ele o seja no começo, algo vai mudá-lo. O mesmo vale para um anão ou elfo, sempre vai estar destacado de sua sociedade. Como Bilbo ou os hobbits de Senhor dos Aneis, que nunca mais foram os mesmos e quando retornaram de suas aventuras, eram vistos como seres à parte da comunidade.

Às vezes é um personagem do tipo “escolhido”, também. O estereótipo cansou, mas tem uns bons que se enquadram aqui, como Geralt de Rivia, o típico Exemplar Lendário de Um Grupo Decadente (ou Último dos Moicanos). Eles são párias no sentido de esperar-se muito deles, de vê-lo como um ser diferente dos “meros mortais”.

Em uma análise mais ampla, o protagonista mais ordinário de todos ainda é um pária, em menor ou maior escala. O filho do ferreiro que tem seus pais mortos pelo vilão, o mercenário que é contratado por um jedi e vira herói relutante, o aprendiz de mago que larga os estudos e vai viver aventuras.

Ou seja, a própria natureza das histórias tira os personagens do seu nicho. O enredo que narra a vida cotidiana de um montador de robôs num mundo pós-apocalíptico só tem graça para ambientar o interlocutor e dar aquela sensação bacana de ambientação, até que algo fora do comum acontece e ele é retirado do seu ambiente para viver algo diferente.

Mesmo em histórias onde o cotidiano é fantástico ou perigoso, como o caso de personagens mercenários, detetives ou caçadores do sobrenatural, os enredos não tratam de casos comuns dessas pessoas, e sim de dias diferentes e casos notáveis.

A curto prazo, esse pensamento não tem nenhuma aplicação prática – mas nos ajuda a entender melhor o papel de cada personagem e elemento na narrativa. Sempre que estiver planejando uma campanha (ou o pontapé da campanha, para os mais sandboxers), é bom ter essas coisas em mente, para dosar direitinho o cotidiano e o fantástico, e relacionar bem os protagonistas com o ambiente que os cerca.

Assim, mesmo o menor o impacto que esses personagens causam no mundo já fica mais saboroso de interpretar (ou inserir na trama), nem que seja a reação das pessoas quando o personagem retorna para o vilarejo de onde saiu lá no início da campanha.

Isso aconteceu em uma campanha que eu jogava, aliás. Após sete anos de aventuras (AD&D), meu personagem voltou à vila onde nasceu, reencontrou sua casa cheia de teias de aranha e ficou relembrando do passado. Para o mestre não era interessante, no momento, narrar as diferenças da vila para me ambientar melhor, mas isto daria cenas bem bacanas (algumas até de ação; imagina se agora a vila é dominada por um tirano, por exemplo?).

Num breve futuro falarei mais no tão mítico cotidiano nas campanhas, que pode ser uma ferramenta poderosa de narração se o mestre souber dosar. Mas não agora. Agora vou dormir.

Fiquem à vontade para dar outros exemplos e discorrer o assunto nos comentários!

9 comentários em “Todo protagonista é um pária

  1. Muito bom.

    É como se as histórias tivesse o social como gatilho da catarse. O menino pobre que hersa a fábrica de chocolate. O saxão sem lar. A espiã que quer “tirar a cinta do vermelho”…

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  2. É como dizem estórias temos todos os dias mas aventuras so em ocasioes excepcionais por isso de serem tao incriveis , mas diz ae Dan é verdade que Old Dragon é parecido com AD&D ? Dizem da pra sentir aquele gostinho de AD&D é verdade?

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  3. Falae Dan bem vindo de volta cara te confesso que invadi seu bar na madrugada algumas vezes pra me proteger do frio e relembrar os velhos tempos, e andando por aqui vi que vc jw jogou Dragon Age rpg entao me diga vcs foram ate que level? Demora pra subir nível? Da pra jogar uma campanha bacana até o 11 ?…obrigada por ter voltado ps: eu desentupi a maquina de chopp ^^

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  4. Interessante. Esse post me lembrou sobre uma discussão em Blood&Honor a respeito das diferenças do ocidente /oriente quanto a “jornada do herói”. Pelo que me lembro, enquanto o herói ocidental seria um rebelde fazendo diferença ao agir do seu jeito; o herói oriental faz a diferença quando aceita seu lugar no universo /sociedade.

    No mais, será bom ver a birosca aberta, nem que seja uma vez ou outra.

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  5. Opa! Joguei uma campanha, e até essa pausa no RPG tínhamos chegado ao quinto nível. Não demora para subir de nível, a não ser que o mestre queira. Dá pra jogar uma campanha agora até o nível 20 sem atropelos, com o Set 3.

    Ah, e obrigado por desentupir a máquina de chopp. Até te daria umas cervas grátis, se soubesse quem é :P

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  6. Muito legal^^. Aconteceu algo assim na minha campanha. Uma personagem Brigona que sai de casa em busca de aventuras, depois volta no 14 nivel e desocobre tudo sobre seu passado (vinha descobrindo aos poucos); Um vila que havia sido salva, e agora tem crianças que imitam os pjs vestindo roupas e portando armas de madeira! Usando as aventuras como brinquedo!

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  7. Na minha mesa de Forgotten 4th teve algo desse tipo, um dos jogadores é um Barbaro Ulthgard, ele é um paria da sociedade por ser feral (filho de um lobisomem de malar, com uma humana) e logo de inicio foi convidade a viver fora da vila, porem sua mae ficou. Depois de muitos niveis ele voltou e se tornou o membro honorario da vila por tela salvo, mais algumas aventuras e a vila foi destruida por drows, hoje ele quer reconstruir a vila e atacou uma cidade de drows e matou alguns, porem ele matou alguns parentes de um outro jogador que vai jogar de drow que é considerado um herege pois nao segue o caminho de LOlth

    Entao terminou que esse ataque a vila dos barbaros e dos drows vai unir ambos “os parias”.

    Muito bom saber que voce esta de volta Dan!

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  8. Eu acho que pária não se encaixa porque é um excluído social, mas o protagonista nem sempre o é acho que é mais uma pessoa que não se encaixa plenamente na sociedade. Um ponto fora do plano cartesiano.

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  9. Galera, o blog Pontos de Experiência, do Diogo Nogueira, fala sobre isso em um post (acho que o título é Como os Aventureiros são Vistos”) e creio que compreende esta questão. Um aventureiro se torna aventureiro por diversos motivos diferentes, alguns querem dinheiro, outros fama, outros são forçados pelas circunstâncias. Uma vez narrei uma campanha onde um colega jogou com monge: ele só queria viver em paz no monastério, mas uma ordem rival fez um ataque massivo de surpresa, para roubar o pergaminho que continha todo o estilo ensinado ali, com o objetivo de incorporá-lo ao próprio estilo e torná-lo uma arma mais poderosa. O jogador e uma PDM, ambos aprendizes, tiveram que fugir com o pergaminho e garatir que o estilo sobrevivesse – seu sensei já percebera que a morte seria inevitável se ele quisesse dar aos seus pupilos a chance de escapar. Foi uma das campanhas mais f***das que narrei, mostrando a evolução e amadurecimento do jovem monge conforme ele se via perdido no mundo, e no fim ele recriou o monastério e salvou o estilo do seu sensei, após vingá-lo, monge a monge, em uma longa campanha de emboscadas oportunistas…Foi emocionante.

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