A trabalhosa arte de iniciar campanhas

Ah, inícios de campanha. Um dos assuntos mais abordados em artigos e posts. Como recentemente comecei uma e nunca falei disso, vou divagar também.

Um jogo one-shot é como um filme e é preciso capturar o interesse do grupo logo no começo (até escrevi sobre). Uma campanha é mais como uma série, onde um começo ruim nem arruina tudo, mas é muito melhor quando o processo funciona bem. Já tive todo tipo de começos (muito mais que finais, infelizmente; falo disso outro dia), e aprendi que tudo depende do grupo e tipo de campanha.

Como no RPG temos um grupo de personagens com (esperado) protagonismo por igual, o narrador precisa inseri-los na trama (call to adventure) e juntá-los. O bom é ter a ajuda dos jogadores para todo esse processo (como vivo falando aqui).

O modo como comecei minha campanha mais atual é um que gosto muito, o de iniciar todo mundo separado, cada um com seu chamado e plots pessoais que vão se juntando em um mesmo objetivo, tudo com muito diálogo antes pra tudo se encaixar. Usei o mesmo processo para meu jogo de Supernatural (acho que o único não-fantasia que mestro há uns bons anos) com sucesso.

Esse começo já não deu tão certo em alguns jogos onde os jogadores eram mais impacientes e queriam logo juntar a equipe. Nesse caso, pode ser melhor definir de antemão motivações e objetivos e combinar um início conjunto.

Uma outra coisa que não funciona muito bem na hora de começar o jogo é o excesso de backstory – o narrador passa meia hora ambientando os jogadores, contando o que aconteceu até eles chegarem ali, e os jogadores bocejam e no fim esquecem tudo (também já escrevi sobre isso).

Sei que é difícil não fazer isso, especialmente em cenários novos para eles, mas de repente pode ser uma boa resumir o máximo possível a ambientação e contar ao máximo com o conhecimento prévio dos jogadores (“você veio dum reino tipo a Escócia, está numa cidade tipo Veneza…”). Ao decorrer da campanha o narrador vai soltando “bits” de informação e ambientando melhor o grupo.

Muitos bons autores fazem isso, aliás, deixando para descrever os personagens em um momento futuro na narrativa. No livro que estou lendo, o autor vem descrever seus homens lá pro meio, quando é preciso saber quem são.

Uma outra forma de fazer isso é o início in media res, uma técnica onde você começa a narrativa no meio da história e depois vai introduzindo as informações por meio de flashbacks. O jogo pode começar logo no primeiro combate, ou com os personagens presos (clássico), etc. Teve um início de narrativa meu onde o personagem do jogador começou acordando num barco, no meio de um massacre, meio desmemoriado.

Esse modo é um pouco railroad e tem chance de dar errado, com os jogadores indo por outros caminhos, mas não tem problema. Eu comecei uma campanha mestrando um cerco com os personagens no oitavo nível e regredi, e os eventos nunca os levaram a esse cerco, mas foi muito legal mesmo assim.

O TV Tropes tem uma lista bacana de maneiras típicas de juntar personagens: início separado de personagens (com um deles sendo “a cola” que vai juntar todos), todos pertencendo a uma mesma organização (campanhas militares, familiares, guildas, etc.), conveniência geográfica (todo mundo se conhece num lugar, como prisão, ilha deserta ou taverna), etc.

Essa lista inclusive fala das formas de inserir um personagem no meio do jogo, geralmente vindo com seu plot pessoal para o grupo resolver, ou tropeçando uns nos outros, ou resgatando o novo PJ preso (essa é clássica), etc. (todo mundo sabe que um combate é excelente para juntar personagens).

Tem uma lista de call to adventure também. Ambas valem a lida, para o narrador analisar exemplos e pegar um monte de boas ideias.

Enfim, vale a pena planejar o início da campanha (mesmo que ela em si seja um rascunhão), deixar um monte de acessórios à mão (nomes, mapas, ganchos) e acima de tudo fazer com que a primeira sessão não seja chata, nem que seja com muita ação.

E aí, como vocês começam as suas campanhas?

10 comentários em “A trabalhosa arte de iniciar campanhas

  1. Eu normalmente começo com a galera separada, mas já bem próxima de se juntar. Se pretendo apresentar alguma coisa sobre cenário, eu mesmo faço um texto razoável e passo pra que todos leiam alguns dias antes de rolar a primeira sessão de jogo. As redes sociais ajudam muito nisso e acho válido tentar, desde que os jogadores sejam dedicados o suficiente pra perder alguns minutos lendo o que você precisa apresentar. Enfim, pego o histórico de cada um, bolo uma razão pra que todos estejam indo para o mesmo lugar/procurando a mesma coisa/pessoa, etc, e começo a instantes do encontro do grupo. O resto, se necessário, passo pros jogadores por fora, antes de começar. Aqui tem funcionado pra maioria dos jogadores pra quem mestro, pelo menos…

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  2. Uma vez eu joguei sem o menor histórico ou introdução ao personagem do jogador, o único desta campanha. Ele acordava em uma praia ajudado por um jovem de uma vila de pescadores da região, sem a menor memória (bem clichê). O NPC era o que ligava o personagem ao cenário, e primeira motivação moral para uma aventura. Foi legal.

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  3. Depende muito do grupo que você começa a campanha. Com alguns você pode se dar ao luxo de relaxar que os próprios jogadores tomam conta disso, cada um comentando sobre sua personagem e o outro encaixando suas motivações ou habilidades em um histórico conjunto.

    Eu gosto de quando isso acontece pela facilidade aos dois lados, tanto mestre quanto para os jogadores; ou caso eles não tenham a iniciativa de fazê-lo, que o mestre proponha diferentes situações para eles criarem suas personagens: moradores do mesmo vilarejo ou cidade, cresceram dentro de um mesmo forte e então seus pais se conheceram, tiveram um mentor (um aventureiro aposentado) em comum, ou qualquer coisa que faça mais sentido do que “um homem de manto se aproxima de vocês na taverna e mostra um saco de moedas…”.

    Ainda melhor, é quando o grupo está disposto a aventuras de prólogo. Você faz com que o Guerreiro Nobre jure vingança a uma ordem/culto maligno pelo o que fizeram a sua família/sua amada/a ele mesmo – e o Ladrão entra no meio, porque gostava de beber com aquele cara e não fazia ideia de que era um nobre – ; o Bárbaro que nunca pensou em largar sua tribo tenha que acompanhar o guerreiro porque sua tribo vive em terras controladas pelo pai dele, mas ele aceita porque viu no guerreiro alguém digno de lutar ao lado; o Mago foi iniciado nas artes arcanas por esta ordem, mas fugiu deles e agora vê a chance de derrubar seus antigos tutores.

    Acho que o “segredo” é sempre conversar com os jogadores sobre o que eles querem. Mesmo que você já tenha imaginado uma campanha, dá para mexer algumas coisas e encaixar as pretensões dos jogadores.

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