Usando intriga e política sem deixar o jogo chato

Embora goste de filmes e séries de intriga e conspiração, não sou fã de jogos assim. Por isso a uso com parcimônia e de um jeito diferente, mesclando com os outros aspectos da narrativa. Na pitada certa, esse tempero narrativo traz drama e a podridão humana ao jogo, deixando mais ao meu gosto.

Dragon Age e Game of Thrones (mais o primeiro que o segundo) inspiraram esse pensamento, mas a do post (sua primeira versão, há alguns anos) veio de Tropa de Elite 2, que me abriu os olhos para o que chamamos de sistema (o funcionamento da sociedade e governo), que por ser sempre quebrado e cheio de sujeira, pode ser um antagonista poderoso e invisível. Na maior parte das vezes, os jogadores não vão achar ninguém para culpar, matar e pilhar.

Poder corrompe, e toda sociedade é corrupta. Toda junção de pessoas cria códigos, ambições e esquemas. Cada facção defende seus interesses e a guerra resultante nem sempre é aberta. Surgem aí as intrigas políticas.

tropa
O sistema é foda, parceiro.

Toda organização é formada de pessoas com graus variados de incompetência, mediocridade e interesses pessoais, que geralmente lidam com escassez de recursos, muita insatisfação e stress. Algumas são mais espertas e organizam esquemas para se dar bem. Quanto mais alta a hierarquia, mais inteligente é o plano, de modo que qualquer subchefe fracote pode ser um ótimo vilão.

Para manter o status quo, esses vilões farão tudo ao alcance para impedir que seus planos sejam atrapalhados. Aqueles que tentam expor seus esquemas ou membros honestos da organização são os alvos mais comuns.

Assim, esses elementos podem ser adicionados às histórias habituais. Os bandidos trabalham sem saber para o lorde local, que quer ser bem visto pelo povo ao mandar heróis eliminarem a ameaça. Ou para um mercador da vila vizinha em conluio com fazendeiros locais, tentando desvalorizar e comprar certas terras. Os PJs podem escoltar um cartógrafo para mapear território inimigo ou mineiros para garimpar materiais especiais que eles precisam para derrotar um monstro. Eles podem proteger o bastardo de inimigos que querem dar um golpe de estado. Para romper uma aliança, precisam eliminar alguém e/ou incriminar alguém, ou serem incriminados. E assim vai.

Ou o mundo ao seu redor pode ser abalado pela sujeira do sistema. Uma autoridade aliada dos PJs pode ser obrigada (com chantagem, ameaças ou algo do tipo) a colaborar com interesses malignos, soltando um criminoso que eles suaram para prender ou até mesmo os prendendo. Ou um contato/aliado dos PJs pode ter sido morto ou sequestrado porque não cedeu às pressões e subornos e continuou com alguma busca pela verdade.

A premissa básica para que os PJs possam reagir é considerar o fato de que esses joguetes ainda são realizados por pessoas que, bem, cometem erros. Os masterminds menores possuem planos cheios de furos e pensamento limitado. Os maiores dependem de vários fatores para seus planos funcionarem, alguns fora de seu controle direto. Essas brechas podem ser exploradas por inimigos e o sistema se auto-sabota.

É aí que os PJs conseguem suas pequenas vitórias, com a ideia de que há peixes muito maiores e perigosos para pegar. Temos então dilemas morais pela frente: seguir seu caminho ou seguir uma longa campanha lutando pela causa (dependendo do niilismo da história, perdida)?

Por exemplo, certa vez o grupo de uma campanha nossa reencontrou uma NPC querida como prostituta numa cidade, e a salvou de uma rede de traficantes de ópio que viciavam pessoas e as escravizavam como rameiras. Eles não desbarataram a gangue (já tinham salvo a NPC e detestavam a cidade); mataram o líder e alguns ladrões, mas o esquema continua lá, com outros meliantes.

Aliás, escravatura é um tema bem espinhoso, mas lança discussões interessantes na mesa. Alguns reinos podem usar escravos sem ser “malignos”, sendo uma questão cultural. E dá-lhe dilemas morais, com PJs altruístas versus sistema da sociedade. Só cuidado para não dividir demais o grupo.

O fator humano falho também explica a velha máxima da polícia. A lei é mal treinada e ineficiente (e vive tropeçando em burocracia). Protagonistas geralmente são mercenários ou aventureiros dispensáveis que podem resolver os problemas. Assim, a lei pode fazer vista grossa para seus atos (vigilantismo, invasão de ruínas antigas, etc.), tirar-lhes da cadeia para fazer serviços em troca da liberdade (clássico plot-giver), chegar depois da luta e ainda fazer pose, etc.

Por fim, a intriga política também ajuda a entender a pouca aparição e atividade de NPCs poderosos, conforme escrevi neste artigo. Como no xadrez (ou no Jogo dos Tronos), cada movimento precisa ser feito cuidadosamente, pesando as consequências e variáveis, porque pode deixar uma brecha para seus inimigos.

Inclusive há aquela velha questão do líder sendo devorado pelo sistema. Por mais benevolente ou eficiente que ele seja, não pode governar sozinho, precisando de pessoas, alimentando o ciclo. É o caso de Conan ou Robert Baratheon, o primeiro largou logo a coroa e o segundo acabou sendo sobrepujado pela corrupção. Os PJs de uma campanha nossa sofreram uma série de traições e viram sua companhia mercenária ruir justamente porque os personagens não conseguiram dançar conforme a música.

Não sei vocês, mas eu não tenho saco de detalhar toda a estrutura de poder e intrigas da campanha, penso apenas no que afeta os jogadores. Ter tudo isso em mente me poupa tempo e saco e me dá liberdade para mudar as coisas quando precisar (agitando tudo com ataques, perseguições e reviravoltas) e ainda evito a desprotagonização, já que os heróis da história são eles, e eles que precisam lidar com toda a lama onde se metem. :D

13 comentários em “Usando intriga e política sem deixar o jogo chato

  1. Por fim, os intrépidos Falcões foram sobrepujados pelo pior dos inimigos, aquele que nunca mostra sua verdadeira face, se cortarmos uma cabeça crescem centenas no lugar, capaz de apunhalarnos quando menos esperamos: o sistema corrupto.

    E diante desse até Dimitri, que se julgava um intrépido e invencível em sua vontade, declinou e foi lamber suas feridas, sobraram justamente aqueles que não se intimidam com uma adaga entre as costelas e estão dispostos aos piores tipos de sacrifício, que não conhecem honra além da sobrevivência: Nismet e Graham. Quem diria, não é? Onde a honra falha o senso de sobrevivência prevalece.

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  2. To usando algo assim em tormenta rpg , uma nobre dama de zackarov tem envolvimento com um culto a tormenta, porem seu irmão descobriu e dividiu isso com outro nobre (companheiro amoroso dele), a nobre dama então matou o irmão e fez parecer que foi seu companheiro que o matou e agora contratou os pjs para pega-lo, o grande problema é que esse tal companheiro lidera um grupo de criminosos homens ratos nos subúrbios da cidade…

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  3. Excelente postagem, Daniel!

    Eu sempro tento colocar um pouco disso nas minhas aventuras também. Cultos, organizações, corrupção.

    Na minha campanha de Bruxos & Bárbaros os personagens estão fazendo trabalhos para um Lorde do Crime, como conseguir esse ou aquele objeto, capturar tal pessoa, mas já viram indícios que o cara trabalha para inimigos deles próprios também.

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  4. Olá!
    Eu fiz uma breve, mas empolgante, campanha situada no cenário de Final Fantasy Tactics (Ivalice) sobre intriga política, espionagem e jogo de poder. Espionagem, ocultismo, traição e guerra deram um clima especial para o jogo, fugindo do meu main de jogos estilo aventurescos.

    Até and Bye…

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