A máfia em jogos de fantasia

Esse negócio de guilda de ladrões sempre foi meio confuso nas mesas de jogo por aí. Guildas eram associações que regulamentavam um ofício. As de ladrões seriam sindicatos que os ajudariam (suborno da guarda, venda de mercadoria, etc) e organizariam a concorrência em troca de algo (geralmente porcentagem de lucros).

Quando comecei a querer um clima mais noir para jogos na metrópole do meu cenário, o livro Valkaria: Cidade Sob a Deusa, de Tormenta, me trouxe uma solução bacana. Na enorme cidade, o crime é controlado por grandes organizações criminosas, que controlam muitas outras atividades para manter seu grande poder.

Nada mais legal, então, do que pegar inspiração na vida real e filmes para compor antagonistas de ótimas histórias urbanas. Então, fui lá pesquisar sobre a máfia, a companhia criminosa que virou sinônimo de crime organizado, e cá estou para falar do assunto.

A máfia surgiu no sul da Itália medieval, lavradores arrendatários que começaram a depredar gado e plantações para dividir as terras de seus senhores. Quem quisesse evitar o vandalismo tinha que fazer um acordo com eles. De lá, a “proteção forçada” ganhou o mundo. Ler sobre a Cosa Nostra vale muito a pena, aliás.

O principal negócio da máfia costuma ser a proteção, de mercadores, instituições, figurões ou mesmo pessoas comuns da comunidade onde a associação está (como você viu em O Poderoso Chefão :P). Outras atividades ilícitas incluem tráfico (de drogas, venenos, itens mágicos, escravos, armas proibidas…), chantagem, assassinato, prostituição, apadrinhamento (até mesmo dos ladrões que trabalhariam para uma guilda), etc.

thives guild

Para encobrir os crimes, lavar dinheiro e ficar bem com a comunidade, possuem atividades lícitas (algumas muito lucrativas), administram e/ou controlam negócios, mecenam artistas, patronam aventureiros, ajudam e protegem os que mais precisam… Uma forma de ajuda interessante é cuidar para que todos prosperem. Por exemplo, se a taverna de um protegido ou membro vai mal, a máfia passa a frequentar o lugar.

De fato, o trunfo da máfia é estar infiltrada na sociedade e instituições, com diversas atividades lícitas (principalmente para encobrir ou lavar o dinheiro das ilícitas). Seus tentáculos estão agarrados em qualquer aspecto da cidade, e eles arranjam um jeito de ter gente “dentro” de qualquer lugar (até mesmo as inserindo pacientemente, como o personagem de Matt Damon em Infiltrados).

Cada associação tem seus próprios códigos e hierarquia, mas costumam usar cadeias de comando identificáveis (militar, familiar, etc.) e procuram fazer de seus membros bons exemplos na sociedade (eu li esses dias que a honra, por exemplo, é um conceito levado muito a sério, especialmente entre marido e mulher).

O livro lá de Valkaria chama suas companhias mafiosas de Irmandades, e tem muito mais detalhes e exemplos. Vale a pena dar uma olhada. A Trilogia do Fogo das Bruxas também tem umas pinceladas sobre famílias e facções criminosas (o terceiro livro), e GTA é uma referência insubstituível.

Voltando ao post, tenho usado essas organizações e tem dado muito certo. Na minha cidade, há as famílias criminosas (algumas de imigrantes, especialmente os de um reino bem barra-pesada) de mercadores e de nobres, há organizações mais “empresariais” e há, também, a poderosa guilda de ladrões, que vive em pé de guerra com parte dessas facções.

Da primeira vez que usei o recurso, o grupo precisava de ouro para a cura de uma doença de um dos membros, e aceitou missões de um mafioso local (detonar refinarias de ópio e melar uma transação com fornecedores da droga vindos de fora), na dúvida se o cara realmente não queria drogas na vizinhança ou estava eliminando a concorrência. Na campanha solo com a patroa Elisa, sua mercenária vive às voltas com mafiosos. Tem o rabo muito preso com uma família criminosa e estraga planos de outras facções o tempo todo, precisando andar na corda bamba para evitar atentados desses inimigos que está fazendo.

É mole maquiar moldes comuns de aventuras para arranjar um envolvimento dos personagens dos jogadores com a máfia de forma orgânica. Contratados, chantageados ou de outra forma recrutados, eles recebem missões urbanas como: destruir facções inimigas (desbaratar seitas malignas), detonar fabriquetas de drogas e venenos (dungeon crawl), assassinar ou incriminar alguém (se infiltrar num covil de monstro), proteger ou escoltar pessoas ou objetos (salvar princesas sequestradas), e assim vai.

Eles podem até mesmo fazer as aventuras regulares de fantasia, como saquear tumbas para roubar itens que uma associação precisa, capturar um monstro exótico para a arena do mafioso, encontrar em uma ilha distante algo que desacredite um rival…

Para que a coisa funcione direito, é só jogar com as motivações dos personagens, as usual. Heróis mais altruístas podem ser enganados ou forçados a trabalhar – imagine que o irmão do paladino é viciado em jogo e está até o pescoço com a máfia, e para salvá-lo ele precisa resolver algo para saudar a dívida.

Ah, importante: como o crime organizado é bastante estratificado, dá pra jogar montes de soldados bucha-de-canhão, chefões que são peixes pequenos, assassinos, monstros e magos aliados a qualquer momento que o narrador precisar de um pouco de ação. Sequestrar ou eliminar um ente querido quando quiser dar uma dramaticidade ou motivação de vingança, prender o rabo dos PJs com os mafiosos ajudando do nada (tipo tirando da cadeia), etc.

E ainda dá pra inserir todos os elementos legais que vivo falando no blog, com intriga política, grandes reviravoltas e até guerras abertas, pirando a lei da cidade (estilo Gangues de Nova York). Só não recomendo aparecer na casa do padrinho sem levar um presente!

5 comentários em “A máfia em jogos de fantasia

  1. Ao ler o post já “ouvi” essa música na minha cabeça
    http://www.youtube.com/watch?v=JnS4fGiLQDk&sns=tw (a versão original, do filme, também é muito foda, mas essa está com um tom mais dramático ;P)

    Bom, falando sobre o post, gosto da ideia de usar esse tipo de elemento em narrações. Fazer parte ou ter contato com uma sociedade/família, algo incomum para um grupo de personagens, ajuda a criar uma falsa sensação de proteção/segurança para os personagens.

    Quando eles pensam que nada tão ruim pode acontecer, “as merdas” começam a aparecer, até que eles descobrem a verdade e o sentimento de traição, geralmente, entra em ação.

    Muitos jogadores, na hora que descobrem que estavam sendo usados, que foram enganados, tentam, a todo custo, vingar-se, e acabam deixando a razão de lado e parte para as vias de fato. É aqui que as coisas começam a ficar interessantes de verdade xP E todos esperamos por essas horas, não é?

    No mais, ótimo post. Abraços

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  2. otimo post!

    ladroes e guildas realmente sao um “charme” importante para se criar, pricipalmente em cenarios de cidade grande.

    gosto q em Greyhawk (na Cidade de), existe Guilda pra tudo! deste os tratadores de esgoto aos “doqueiros”, dos joalheiros aos mineradores. E a guilda dos ladroes tem relação com todas (ate pra saber de quem roubar ou nao, ne?)

    isso pode criar um clima de mafia bem legal

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  3. Eu penso que esses elementos são pouco aproveitados, ou na maioria das vezes não são aproveitados, porque praticamente não há campanhas de fantasia em cidades. Ou pelo menos ao passar pelas cidades, os jogadores e o mestre tendem a pensar nelas como refúgios seguros. Creio que por causa da maioria dos rpgs eletrônicos, chegar numa cidade é poder se recuperar, descansar e comprar itens. Falei sobre isso numa postagem do meu blog.
    Elementos como a máfia se encaixam bem em aventuras urbanas, se o grupo se mete em campanhas em terras ermas, é muito difícil encaixar coisas como a máfia. É como você pensar que o poder do Don Corleone vai até o meio da amazônia (comparação grosseira, mas só para ilustrar o que quero dizer). É até possível, mas nunca vai ter o mesmo peso.
    Eu penso que uma aventura só numa cidade, ou que passe apenas por cidades, tem tudo para ser tão bom quanto aventuras nos ermos. Principalmente se você souber usar todos os elementos dela ao seu favor. Ptolus e Valkaria – Cidade Sob a Deusa, não me deixam mentir.

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  4. Colocar a sociedade em jogo sempre dá um tom mais verossímil ao jogo, e um jogo voltado para o “mercado negro” é uma expansão natural disso. Gosto da ideia, e é uma excelente oportunidade para os personagens fazerem alterações diretas no 'status quo' do cenário.

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