Gancho de Aventura: O Preço do Sangue

Olá amigos! Aqui vai mais um gancho de história para os dias de poucas ideias. Na verdade esses meus ganchos são quase aventuras completas, com sugestões de andamento de enredo e conclusão (embora eu goste de pensar apenas nas possibilidades mais comuns, abrindo espaço para as ações inesperadas dos jogadores). É uma aventura urbana, que criei para meu jogo solo com minha esposa Elisa.
A história se passa em uma cidade de médio a grande porte. Qualquer lugar funciona ou cenário, desde que tenha mercadores e seja possível intriga e trairagem (Denerim, Corvis, Arabel, Valkaria…). Não serve apenas para fantasia – dá para localizar em uma cidade vitoriana, uma região um pouco contemporânea mais provinciana (como cidades do interior dos EUA) ou até mesmo uma cidade futurista mais apocalíptica. Basta apenas mudar nomes e substituir os Turin por alguma família ou companhia criminosa que se encaixe melhor no seu cenário.
Premissa: O respeitável membro da Guilda dos Mercadores Irvind Grael, dono do Bazar Sétimo Sol, desapareceu misteriosamente na última noite. Crovan, um dos líderes da guilda e amigo de Irvind, recebeu a notícia ao visitá-lo nesta manhã e encontrar apenas a esposa, Rhian Grael. Agora, ele precisa que alguém descubra seu paradeiro e o salve (ou lhe traga as más notícias).
O acontecido: A maioria dos mercadores da região está acostumada a pagar taxas abusivas de “proteção” aos companheiros do Clã Turin, uma poderosa família da cidade (escrevi aqui sobre máfia em jogos de fantasia, dá uma olhada). Recentemente o mercador Irvind Grael começou a manter seus preços ou até baixá-los, fazendo com que seu movimento aumentasse. O segredo de Irvind para manter os preços baixos era conseguir boa parte de sua mercadoria livre de impostos (ou seja, contrabando), que ele recebia diretamente de um vigia noturno do porto da cidade. O mercador estava confiante de que os Turin não olhariam para o seu pequeno esquema, tomando-o apenas como um tolo que diminuiu a margem de lucros para não falir, já que ele continuava pagando os tributos. Mesmo assim, comprou uma espada e um cão de guarda, por prevenção.

Mas as artimanhas de Irvind despertaram a ira dos concorrentes, especialmente o vendedor de tecidos Fargus Aran (dono de um próspero bazar chamado O Viajante). O mercador passou algum tempo procurando sinais da trapaça, mas o esquema de Irvind era bem feito – Fargus era colega dele e de sua esposa Rhian, de quem tentou infrutiferamente tirar algo (ela não sabia nada do esquema). 
Furioso e sem nada para acusar Irvind aos Turin, Fargus arquitetou um plano sombrio para tirar-lhe do caminho. Contratou a assassina Wendra “Mortalha” para dar cabo de Irvind, à revelia dos mafiosos. Em uma noite, quando foi buscar um carregamento recém-chegado, o mercador foi morto por Mortalha, que fez o ato parecer um latrocínio. No dia seguinte, Fargus começou a cercar Rhian, consolando e aconselhando a mulher a passar o Bazar Sétimo Sol para ele, já que “é amigo da família e saberá cuidar bem dos negócios”. Assim, está para comprar a loja a preço de banana, considerando-se muito esperto por resolver um problema e de quebra aumentar suas riquezas.
Negócios escusos no porto
Envolvendo os PJs: Independente de serem aventureiros ou mercenários, a melhor forma de levá-los à história é através de Crovan, que ouviu falar deles e vai procurá-los (ou a seus chefes). Irvind é seu amigo pessoal, e ele está disposto a pagar bem por eficiência e discrição, porque sabe bem no que o mercador estava metido (ignorando todos os seus conselhos). Alternativamente, um ou mais PJs podem ter alguma forma de associação com Irvind ou Crovan, seja parentesco, aliança ou relações comerciais. Nesse caso, a tarefa pode ser pedida como um favor (remunerado ou não).
Investigações: A frente mais óbvia para os protagonistas começarem é falar com Rhian Grael, esposa do desaparecido (indicada inclusive por Crovan). Ela está cuidando do bazar no lugar do marido, e parece totalmente convencida de que Irvind morreu, porque sabe que ele estava na mira dos Turin. Ela conta que a última vez que o viu foi na noite em que ele foi ao porto receber um carregamento (conteúdo por conta do narrador). Um personagem que saiba como as coisas funcionam na cidade pode lembrar que mercadorias simplesmente não são despachadas ou liberadas à noite, porque os agentes portuários só trabalham de dia. Se um navio chega à noite, a carga é retida até o dia seguinte. Rhian realmente não sabe sobre os esquemas de Irvind, mas pode comentar (especialmente se algum PJ disser algo otimista para consolá-la) que tanto Crovan quanto Fargus Aran são homens muito gentis – Fargus ainda não fez a proposta de comprar o bazar (ainda está “preparando o terreno”), justamente para os PJs não desconfiarem dele de primeira. Mesmo assim, podem querer ir falar com ele.
Fargus Aran tem uma língua de prata e passa uma imagem infalível de bom samaritano, e trata os PJs muito bem se eles forem interrogá-lo. Conta sua versão da história, mencionando as taxas de proteção aos Turin, e o desafio aberto de Irvind ao manter os preços baixos (importante dizer que Farus mente, dizendo que Irvind não pagava os tributos devidos, o que poderia ter enfurecido os mafiosos. Se os PJs ficarem com a pulga atrás da orelha e tiverem a ideia de olhar os registros financeiros de Irvind, Rhian pode examinar ou lhes emprestar o livro-caixa, e as informações dos tributos podem ser encontradas e comparadas com os preços praticados pelos Turin; eles podem falar com algum mercador aliado ou com Crovan, ou alguma outra coisa). Ele pode inclusive dizer que os PJs procurem Kalder e Belistra, dois sobrinhos do clã Turin, na taverna Serpente Negra. Se eles não conseguirem essa informação de Fargus, podem descobrir com mais investigações.
Kalder e Belistra estão por fora da história, mas agradecem aos PJs pela notícia de que Irvind vinha arrumando um jeito de cobrar mais barato. Eles vão investigar por conta própria (afinal, querem descobrir algo podre para delatar aos “tios” e melhorar suas posições). Isto pode gerar cenas dignas de filmes “Fiasco” como Snatch e RocknRolla, com os mafiosos batendo de frente com os PJs em momentos-chave da investigação (talvez vitimando Rhian, Fargus e outras pessoas no processo). :D
Fargus e seu filho, Koren
Para ter sucesso investigando o porto, os PJs devem descobrir quem recebia as mercadorias para Irvind. Os agentes nada sabem sobre essas mercadorias, embora possam ser persuadidos a dizer que fazem vista grossa para alguns carregamentos especiais que chegam à noite, em troca de uma percentagem. O receptador de Irvind era um guarda noturno chamado Dikken, que (caso persuadido) diz ter visto Irvind pela última vez há algumas noites, quando veio buscar um carregamento. O mercador saiu para buscar mais estivadores para o serviço (em alguma taverna do porto, que sempre tem sujeitos dispostos), e não voltou. Se procurarem pela área, encontrarão o corpo de Irvind em um baixio perto do cano de desembocadura do esgoto – ou dentro do esgoto, se você quiser um pequeno dungeon crawl urbano. Wendra o deixou difícil de encontrar, sem seus pertences e todo esfaqueado, já semi-devorado por ratos. O cão de guarda foi adotado por algum morador da área.
Desenvolvimento: Achar o cadáver de Irvind pode significar a resolução da história para os PJs, especialmente se foram pagos para isto. Crovan pode pedir-lhes (ou recontratá-los) para descobrir o responsável pela morte do amigo, até mesmo para vingá-lo. A história toda pode começar a cheirar mal quando Fargus comprar o negócio de Irvind, ou os PJs podem simplesmente ainda estar desconfiados. De qualquer forma, os plebeus nos arredores não falam muito, mas podem chegar a dizer que viram alguém “franzino”, com uma tatuagem no olho, vestido com uma capa e capuz pretos esfaquear o comerciante, saqueá-lo e arrastar-lhe com dificulade para o baixio (ou o esgoto), desaparecendo pelos telhados em seguida. Isto pode levá-los a Wendra, seja através de informantes, com um ladino já tendo ouvido falar da assassina ou outra forma. Talvez isto transforme o encontro “A Morte Espreita”, abaixo, em uma cena de roleplay, com eles persuadindo ou intimidando a assassina para que revele a verdade.
Além de tudo isso, o sucesso de Fargus o deixou mais ganancioso, e ele resolveu dar cabo de dois desafetos e expandir ainda mais seu negócio. Assim, no prazo de três dias, Wendra derrubou o mercador Kardo Pieron (dono da Tecelaria Aurora) no rio e o afogou para parecer acidente, e envenenou Siran Mordane (dono da Velas Mordane) em um baile. Ao passar dos dias, Fargus vai comprar a tecelaria a Gildren, irmão de Kardo, prometendo pagar as dívidas dos dois (Kardo era viciado em jogos); por fim, vai comprar a fábrica de velas a Dyara, esposa de Siran, dizendo que o lugar será pouco rentável com o assassinato. Os PJs podem ouvir falar destas mortes e ficar desconfiados da história toda – coincidências demais, não? Eles podem até mesmo estar presentes na festa, ou encontrar o corpo boiando no rio.
A Morte Espreita: Em algum ponto da história, Fargus se irrita com a intromissão dos PJs (pode ser até mesmo depois que eles o visitam, já que ele está paranoico) e manda Wendra “Mortalha” atrás deles. Ele paga um bom dinheiro para que a assassina arranje algumas espadas para ajudá-la, dependendo do número e poder dos PJs. Você pode usar esta cena a qualquer momento, especialmente se os jogadores ficaram perdidos na trama, ou entediados. A ideia é manter o jogo em movimento, com as pistas fluindo.
Wendra
Quando (esperamos) Wendra for subjugada, poderá contar sobre Fargus e até mesmo ladrar toda a natureza de sua missão. Isso praticamente entrega a resolução da trama nas mãos dos PJs, levando-os à Conclusão abaixo. Se eles a matarem, poderão encontrar um papel com a descrição dos PJs nos bolsos dela (Fargus a orientou a jogar fora quando os visse, mas ela estava confiante demais para tanto), e podem investigar mais até descobrir de onde o papel veio – um pedaço de velino de qualidade escrito pelo punho de Fargus, cuja letra pode bater com seus registros comerciais ou o contrato de venda do bazar que está com Rhian (a essa altura, eles provavelmente estão muito desconfiados dele). Se Wendra fugir, eles simplesmente podem persegui-la, e isso pode ser resolvido na mesma noite ou extender a aventura, com eles descobrindo onde ela se escondeu. 
Conclusão: A seguir alguns eventos que podem acontecer à revelia dos PJs. Kalder e Belistra podem saquear o Bazar Sétimo Sol e matar Rhian e seus filhos (Gilnar, Dyone e Rhana), deixando-os expostos como “exemplo”. Fargus pode ficar com medo do seu esquema ser descoberto e se esconder, espalhando que saiu de viagem. Stannos Turin (figurão do clã) pode juntar as peças e sequestrar a família de Fargus (sua esposa Gharlane e seus filhos Koren e Maegwyn) e começar a procurar o mercador para chantageá-lo. Se Wendra estiver viva, irá embora da cidade. Como você pode ver, a história pode tomar vários rumos e gerar várias reviravoltas e maluquices, mas é bem provável que Fargus acabe sendo alvejado pelos PJs. Ele é apenas um mercador com dinheiro e ambição, então você pode arranjar um conflito final com ele mandando capangas contra os protagonistas, contratando um mago, arrumando uma criatura sobrenatural ou algo assim. Os Turin também podem gerar conflitos bacanas, e a própria Wendra pode ter algum poder mágico (já pensou se ela puder realmente se transformar em sombra ou for algum morto-vivo doido?).
Enfim, espero que essa pequena história renda um bom filme noir pra vocês!

Imagens: Marc Simonetti, Tiziano Baracchi, Ben Wootten, Francisco Rico Torres

6 comentários em “Gancho de Aventura: O Preço do Sangue

  1. Gosto muito de aventuras urbanas, e acho q vou usar alguns elementos desta sua, ehehe.

    dan,acho q faltou linkar isso aqui: “(escrevi aqui sobre máfia em jogos de fantasia, dá uma olhada)”

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