A passagem dos anos no RPG

Sem piadinhas de primeiro de abril. É o seguinte: como ontem foi meu aniversário (a HBO me deu um grande presente com a estreia de Game of Thrones) sempre penso em questões de tempo, passagem dos anos e festividades no RPG. Como não comecei ainda a postar sobre cotidiano em jogo (faz tempo que o pessoal me pede isso), este post é uma pincelada no assunto.

É difícil, na maioria dos jogos, sentir o tempo passar de verdade na história. Especialmente pra quem joga campanhas curtas e one shots, e resolvem os plots em questão de dias, não se vê o passar dos anos e os personagens ficarem mais velhos, como em outras mídias.

Até hoje a maior passagem de tempo que já rolei foi três anos, embora já tenha jogado uma onde dez anos decorreram do início ao fim (prematuro) dela. Acho bem bacana imaginar ou interpretar outras épocas na vida de um personagem – um paladino com trinta anos a mais, ou a juventude do mentor de um personagem em outra década, ou uma maga quando era aprendiz na escola de magia. Imaginar como estaria o mundo nessa época, se o personagem formou uma família, se continua lutando contra o crime, se era tão estoico na adolescência ou algo o fez ficar assim, ou terminou seus dias como um eremita paranoico. Um exercício criativo útil e divertido.

Os games da série Fable levam o jogador da infância à idade adulta. Metal Gear Solid 4 (em diante), Max Payne 3, Indiana Jones 4, Mercenários, Red: Aposentados e Perigosos, Watchmen e muitas outras histórias mostram os protagonistas envelhecidos, lidando com as dificuldades e um mundo que não os comporta mais (ou não, apenas mandando bala e mostrando como se faz). Na linha Alpha/Zero do Street Fighter, vemos personagens mais jovens e iniciantes, bem como em franquias tipo Jovem Hércules.

Alguns RPGs são construídos pensando nisso – consigo lembrar do Pendragon, onde se passa um ano entre cada arco de histórias, e você vai jogando com os descendentes do seu personagem. Assim como o Blood & Honor, onde as estações vão passando, você usa seu personagem até ele morrer (prematuramente ou de velhice) e continua o legado dele. Eu já rolei uma campanha onde alguns jogadores fizeram filhos dos personagens de um jogo antigo (e assim tive um pouquinho do prazer de ver essa passagem de tempo).

Inserir esse tipo de passagem do tempo em uma campanha regular pode ser muito drástico, mas usar detalhes sutis para os jogadores notarem o envelhecimento gradual pode ser legal também. Dar mais importância às estações do ano, falar sobre a barba e os cabelos que crescem (às vezes, se for sempre é chato), usar flashbacks para enriquecer os prelúdios ou até mesmo experimentar uma aventura paralela (ou até um arco de história) com os personagens de uma ou outra campanha envelhecidos ou mais jovens.

Sempre penso em fazer isso, acho que vai ser legal. Uma vez um narrador mestrou uma história onde meu personagem ainda era um jovem imberbe (fato de prelúdio), quando ele se meteu em apuros e foi resgatado e treinado em combate por elfos (interpretado pelos outros jogadores, saindo de seus personagens habituais). A intenção do narrador era mais dar uma contextualização melhor para uma NPC que eu já conhecia e que agora seria uma rival, mas de qualquer forma foi uma experiência bacana.

Também podemos criar um arco de história (ou campanha, enfim) com personagens que já são lendas ou NPCs estabelecidos do cenário, em seus dias de juventude. Estou planejando fazer isso na minha crônica de Supernatural, o pessoal pirou com a ideia de jogar uma caçada com os pais de alguns personagens e alguns outros caçadores nos anos 70. O mangá A Dama de Pharis (de Record of Lodoss War) apresenta um vilão e um herói (o Rei Beld e o mago Wagnard) na época que ainda eram mercenários, e é muito bom.

Outra coisa que me vem à mente para a passagem de tempo é o aniversário (ou dia do nome :P) dos personagens. Seja fazendo uma festança ou apenas lembrando no meio da dungeon que hoje deve ser o aniversário e ganhando parabéns tristonhos, esses pequenos detalhes podem dar um bom tempero ao jogo.

Para quem não sabe, a festa de aniversário é um costume ocidental antigo, onde se dava presentes e apagava velas para proteger o aniversariante de demônios e garantir segurança no ano seguinte. O bolo e vela veio dos gregos, com bolos de mel em forma de lua postos em altares de Ártemis. Os romanos difundiram a tradição (com registros precisos da idade nas tumbas) e ainda comemoravam outros aniversários, como a fundação de roma.

Ou seja, algo que dá muito pano pra manga para histórias divertidas, usando a simbologia ou apenas arrumando desculpas para festas. E ainda, cada cultura pode comemorar essas datas de forma diferente. No Vietnã, por exemplo, os aniversários são comemorados coletivamente, no ano novo. Outros povos deixam para comemorar nove dias depois, para desejar um ano futuro mais feliz. Seria engraçado a comemoração do aniversário de uma raça guerreira envolver o aniversariante desafiar todos os guerreiros da região!

E vocês, passam os anos nos jogos? Rolam velinhas e cantigas vergonhosas?

16 comentários em “A passagem dos anos no RPG

  1. Bem legal Daniel. Penso bastante nisso também. As minhas campanhas, infelizmente nunca duraram tanto. Mas fazia questão de mostrar as diferenças das estações, essa influência na vida das pessoas, na viagem e outras coisas.

    Festividades são coisas legais de se colocar e repeti-las durante a campanha (na mesa de The One Ring que mestrei isso ocorreu e foi bem legal).

    Não sei se você sabe, mas eu fiz uma postagem sobre o assunto também há um tempo atrás. Bem parecida com essa. (http://pontosdeexperiencia.blogspot.com.br/2011/12/ano-novo-e-passagem-de-tempo-no-rpg.html)

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  2. Bacana o post, Dan.

    Falando por experiência própria, eu sempre pequei muito com essa coisa de passagem do ano no passado. Quando eu era menos experiente enquanto narrador, acho que nem prestar atenção nas estações do ano, eu prestava direito. Mas isso vai mudando com o tempo, principalmente por eu curtir jogos um pouco mais verossímeis hoje em dia, ou pelo menos com uma pegada mais sóbria e crua, onde estes elementos ficam mais marcantes e presentes em qualquer jogo. Só preciso agora de alguns exercícios criativos pra melhorar meu desempenho em desafios naturais, me faltam ferramentas mentais pra visualizá-los legal ainda. Fica até a dica pra uma próxima postagem!

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  3. É isso aê, Dan! Pague o que me deve XD

    O post é bem interessante e reflete o tipo de coisa que sempre quis adicionar na minha mesa, mas o nosso estilo de jogo não permite que isso aconteça. O pessoal sempre e sempre quer jogar novas aventuras com personagens novos e sempre querendo começar num nível onde não se morra num único ataque.

    O melhor que faço nesse sentido é adicionar tudo o que é feito em todas as aventuras ao nosso mundo de campanha.

    Por exemplo: Anos atrás em uma “aventura de férias escolares” o grupo matou Holgor, líder Hobgoblin que comanda a antiga Lenórienn. Então em todas as outras aventuras após essa, Holgor permaneceu morto.

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  4. Potz, pior que meu post pega coisas de um que escrevi em 2008 no Paraga! =/

    Enfim, acho que há outras formas mais sutis de passar o tempo ou dar a ideia de tempo mutável, como você mesmo colocou no seu post! Que é muito bom por sinal :D

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  5. Pessoal, de modo geral, como acabei de dizer ao Diogo, suas campanhas não precisam ser longas pra dar a ideia de tempo mutável.

    Como coloquei no post, tem várias coisinhas que dá pra fazer, desde colocar elementos de uma campanha antiga em uma mais nova (por exemplo, no caso do João Paulo, os PJs de uma aventura antiga podem ser mais velhos e estabelecidos como NPCs em uma campanha mais nova).

    Inclusive o post do Diogo traz ideias ótimas também, vejam no comentário dele!

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  6. ótimo post Dan!
    Já aconteceu de eu retomar uma campanha que havia parado por um com tempo com os aventureiros mais velhos, e encontrando NPCs também mais velhos.
    Sem falar que eu gosto de inserir os personagens dos jogadores como NPCs em outras campanhas de um mesmo cenário (eu costumo usar Arton), também mais velhos ou mais novos, dependendo da época em que se passa a história.
    Uma vez um personagem paladino ia se tornar cavaleiro da ordem da luz, e na cerimônia de nomeação inclui outros personagens paladinos de diversos jogadores como NPCs, foi bem legal, o pessoal gostou de reencontrar seus velhos personagens, agora aventureiros experientes e famosos.

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  7. Algumas vezes, quando eu falo para os jogadores que algumas semanas se passaram eles já ficam incomodados: “como assim? seis semanas? e o que ficamos fazendo enquanto isso?”

    Acho fantástico narrar campanhas que se estendem em tempo de jogo por vários anos, com datas comemorativas e tudo o mais. O sentimento de que o mundo está é muito maior.

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  8. Aqui eu faço: o que vocês vão fazer durante os próximos XX?

    Por exemplo, passei 7 meses numa campanha, num momento que tava com todo mundo separado, pra retomar a ação. Passei a situação geral do reino e da guerra que estava acontecendo, e deixei a cargo de cada jogador dizer o que ele fazia nesse período. Aí adequamos tudo direitinho e deu certo :D

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  9. Seus exemplos me lembraram de Dragon Quest V, você começa o jogo com um personagem ainda criança e seu pai, eles são escravizados e muitos anos se passam até que o personagem consiga fugir, já adulto. Depois disso o herói se casa, tem filhos e a campanha continua com os novos aventureiros, muito bacana. Um dia pretendo fazer alguma campanha com mais ou menos essa linha, mas minhas campanhas também não costumam demorar muito para isso. Quem sabe futuramente…

    Já as mudanças mais sutis eu gosto e tento usar sempre que possível.

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  10. Uma coisa que incentiva essa passagem de tempo nas campanhas são sistemas em que os personagens demoram para se curar. Em um jogo em que basta dormir para recuperar todos os ferimentos, ficar parado, realmente não faz sentido. Mas em outro em que a recuperação demora mais, a cura mágica não é tão “common place” assim, é necessário mais tempo entre as aventuras e outras coisas.

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  11. Isso, Dan. Desafios envolvendo a própria natureza mesmo, sabe? Eu ainda me sinto bastante limitado nesse sentido. Coisa de clima, terrenos diferenciados, mas algo dinâmico e interessante. Sem aquele “Tá… Olha, ta mó quente. Faz um teste… Ih, desmaiou”. Já teve algum post aqui abordando esse tipo de tema?

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  12. Apesar de gostar de levar essas ideias para o mundo de campanha, digamos que não sou tão bom em prender o interesse do grupo neste tipo de evento a não ser que tenha algo relacionado a campanha diretamente.
    O mais próximo que acho que vai dar para realizar é utilizar os antigos personagens dos jogadores em uma campanha nova mas com eles mais velhos, com filhos, alguns aposentados e etc. Como ainda é da época do D20, vou pegar aquela tabela de idade que tem no D&D 3.5 e aplicar as consequências. Talvez dê uma melhorada nela. Bom post Dan!

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