O divertido impacto ambiental dos personagens

Parece que o que mais repercutiu no post que reabriu o bar foi a parte de onde os PJs retornam a lugares que já visitaram e vêem o fruto do seu trabalho. E dá mesmo uma sensação boa (catártica, até) trazer o passado de volta.

Um NPC querido reaparece, o filho de um vilão resolve se vingar, essas coisas (por isso acho bom manter um mínimo registro que seja do que aconteceu na campanha, para aproveitar essas coisas que ficam pelo caminho).

Melhor ainda quando isso evidencia o impacto – mesmo que sutil – que os personagens jogadores causam no ambiente. Há alguns anos escrevi sobre como é legal fazer um mundo de jogo mais vivo, mas não dei a atenção que queria ao dinamismo a partir das ações dos jogadores.

Em uma campanha antiga nossa, o personagem voltou a uma cidade que seu grupo antigo (ele se desgarrou e está viajando meio mundo pra ajudar seu pai) salvou na primeira aventura, e encontrou uma tapeçaria com um retrato do grupo na principal taverna do lugar, renomeada em função deles (“Descanso dos Heróis”). Isso junto com alguns NPCs que o reconheceram (a memória do povão é curta) foi bem bacana para os jogadores – que são os mesmos do outro grupo, aliás -, dando essa sensação de dinamismo.

A manha pra fazer isto é pensar em como o mundo reage ao que os personagens fazem, seja nas consequências das ações deles ou em como os habitantes de um lugar vêem o mundo (boas dicas aqui). Depois, é esperar boas oportunidades para jogar isso nas narrativas.

Pode acontecer ainda de impactos negativos voltarem, causando a sensação de ambiente vivo mesmo que não felicite os jogadores. São aqueles casos onde os inimigos voltam para se vingar, ou eles são confrontados com uma realidade terrível que se instaurou quando eles pensavam que tinham feito tudo certo – como a velha linha tênue entre protetor e tirano (Mark Millar aborda isso muito bem em Entre a Foice e o Martelo).

Às vezes, eles podem saber que outro grupo teve que lidar com as consequências do que eles fizeram, ou eles mesmos precisam limpar a sujeira de outrem. Tem uma aventura de Marcelo Cassaro onde os jogadores precisam lidar a leviandade de outro grupo de aventureiros, que matou um dragão que dominava uma região e o vácuo deixado pelo monstro fez vilões ainda mais perversos dominarem a área e maltratarem o povo. Duvido muito que o grupo não reflita a respeito de suas próprias atitudes depois desse tipo de situação – embora isso nem sempre precise ser punitivo para os jogadores (também escrevi sobre consequências, a propósito).

Inclusive, um grupo de uma campanha pode ter contato com os feitos de seus antigos personagens, ou de outra campanha (do próprio mestre ou de outro jogador, se for no mesmo cenário). Eu gosto muito de incluir essas coisas no jogo – aqueles PJs aposentados que viraram NPCs icônicos do cenário, locais que foram impactados nas campanhas anteriores, etc.

Por exemplo, as ações dos personagens da minha Canção Escarlate, que reportei aqui no blog, repercutiram bastante em outra campanha no mesmo reino. Eles salvaram uma cidade élfica do exílio dimensional (o que endoidou o clima do reino) e libertaram um vilão que começou uma guerra civil, e volta e meia se fala disso nos outros jogos. Esse mesmo pessoal, aliás, teve o clímax da campanha e a terminou no mesmo lugar que começou, onde tiveram contato com todas as mudanças que eles mesmos causaram, incluindo NPCs agradecidos, e tudo mais.

Um impacto mais sutil ainda, embora não menos divertido, é deparar os jogadores com as mudanças que seus personagens sofreram durante suas jornadas. Imagine aquele personagem de nível alto reencontrando alguém ou chegando em algum lugar que teve contato quando era apenas um aventureiro iniciante que não sabia de nada, inocente. Equipamentos diferentes, cicatrizes e uma visão de mundo mudada, provavelmente mais cínica, fervorosa, traumatizada ou mesmo astuciosa, dependendo das experiências com a “crueldade lá de fora”.

Mais uma vez, um exemplo de casa: na campanha solo com a minha esposa Elisa, tinha um NPC típico aventureiro iniciante do interior querendo fazer fama na cidade grande, e entrar para a guarda de elite do rei. Alguns meses depois, ela reparou como a cidade o havia mudado: nada mais de altruísmo, cicatrizes de queimaduras em um embate com um dragão, cinismo cosmopolita típico, tatuagens, mais forte…

Enfim, pare pra pensar nessas coisas e vai se impressionar. Essa pequena atenção com os detalhes pode melhorar muito a experiência de jogo.

9 comentários em “O divertido impacto ambiental dos personagens

  1. eu gosto assim: algo maleável. entao, o mestre faz um “esqueleto” do que planeja, mas tudo pode ter impacto em jogo.

    de tempos em tempos eu troco de campanha, as vezes avançando ou recuando no tempo. da ultima, estavamos jogando uma campanha q teve uns lances diferentes justamente por conta dos resultados da campanha anterior (mesmo q os pcs nunca tenham -e nunca iriam- se encontrado

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  2. Sempre uso esse fator “suas ações tem reações” em minhas campanhas, na ultima sessão de Forgotten Realms que narrei, os jogadores invadiram uma antiga dungeon dos drows que foi tomada por um dragão das sombras praga-alterado. O motivo deles invadirem foi pq um lich fez um acordo com o Dragao de fazer o ritual que transforma-se o dragao num DracoLich e acaba-se com o sofrimento do bicho devido praga-magica, em troca o dragão entenderia a filacteria do lich como parte do seu tesouro.

    Os jogadores (nivel 17) mataram o dragao e destruiram o lich, porem simplesmente foram embora, o que aconteçeu? os Drows tomaram novamente sua dungeon e começaram a causar o inferno nas cidades proximas, ou seja eles trocaram 2 problemas de nivel 14 e 17, por uma centena de nivel 1-15.

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  3. Como todos os meus últimos jogos tem sido campanha bem curtas, não tenho trabalhado muito estes fatores. A maior parte das mudanças causadas pelos aventureiros apresentadas em jogo são aquelas automáticas. Infelizmente.

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  4. Excelente, Dan. Ultimamente estou considerando todas as minhas campanhas (Mesmo em cenários diferentes), como parte de um mesmo universo. Como tem pelo menos um jogador em mais de um grupo e tem gnt que lê meus diários, sempre tem alguém que repara nas situações e eventos que voltam, ou quando um personagem de outro mundo é referenciado de alguma maneira.

    Abç

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  5. Ainda bem que você voltou! Eu achei seu blog no dia que você postou que ia parar de postar, mas aí eu fui lendo as outras postagens, já li quase tudo que você postou aqui no seu blog. Você escreve muito bem e dá dicas ótimas para quem mestra, eu que estou começando, tenho usado muito suas dicas, sempre tento aplicá-las para tornar as aventuras mais divertidas. É meio problemático – meu grupo só tem dois jogadores e eu de mestre -, mas a maioria das dicas dá pra colocar de boa. Anyway, ótimo blog e espero que continue postando!

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  6. Poxa Luis, que bacana! Valeu!

    Sobre o tamanho do grupo, cada um tem seu gosto, mas dá pra ter histórias muito boas com um ou dois jogadores também; é bom se inspirar em séries, que sempre tem esse número de protagonistas. :D

    Uma coisa que acontece muito em mesas minhas com um ou dois jogadores é os jogadores controlarem npcs que se juntem com eles, fica bem bacana. Mas aí vocês vão desenvolvendo as manhas pra gerenciar isso com o tempo.

    Espero que vocês rolem bons e duradouros jogos!

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